De olho nas eleições, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) intensificou seus acenos aos evangélicos com recepção a lideranças do segmento e menções em discursos, além da maior aproximação entre a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, com mulheres das igrejas. Há 20 anos, em busca de se reeleger, o petista realizou movimento similar para angariar votos, mas em um cenário de menor influência política do segmento religioso e de menos resistência nos púlpitos.
A aproximação ocorre ao mesmo tempo que parlamentares da esquerda se articulam contra o projeto que cria a bancada cristã. Na semana passada, a Câmara aprovou urgência da criação, que daria ao grupo direito a voto em decisões da Casa, como já ocorre com as bancadas feminina e negra. Presidente da Comissão de Direitos Humanos, o deputado Reimont (PT-RJ) se posicionou contra a medida e disse, ao blog do colunista Lauro Jardim, que discute junto a outros parlamentares a possibilidade de protocolar uma representação contra o projeto. Outros nomes da esquerda, como o pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), também foram críticos à medida.
Tais embates podem trazer embaraços a uma relação que tem se aproximado. Na semana passada, Lula recebeu no Planalto o bispo Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus Madureira. Na reunião, esteve presente o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, da Igreja Batista e favorito para o Supremo Tribunal Federal (STF). A possível nomeação se destaca justamente por ele ser descrito como um “evangélico raiz”, com forte atuação na interlocução entre o presidente e as igrejas.
Samuel Ferreira apoiou Jair Bolsonaro (PL) na eleição presidencial de 2022, chegando a levá-lo a um culto em São Paulo. No púlpito, Bolsonaro também foi recebido pelo bispo primaz Manoel Ferreira, pai de Samuel, que pediu votos para o então candidato à reeleição.
Lula também enfrentou a oposição de Manoel em 2002, quando se elegeu pela primeira vez. À época,o líder expressou “apoio incondicional” ao adversário do petista no segundo turno, José Serra, a quem entregou manifesto em nome de “20 mil pastores, 23 mil templos e oito milhões de fiéis”. Lula, por sua vez, teve ao seu lado as igrejas Universal e Renascer em Cristo.
O cenário se inverteu em 2006, quando Lula driblou essa insatisfação. Ele foi convidado justamente por Manoel Ferreira para participar de um encontro com cerca de três mil pastores e bispos da Assembleia de Deus, em uma catedral do Rio de Janeiro.
— Somos todos crentes e somos todos brasileiros. Amamos esse país e queremos ele cada vez mais forte e mais justo — discursou Lula, que ainda lamentou as acusações de que, caso eleito, iria “fechar as igrejas evangélicas”, alegação também utilizada por opositores em 2022.
Também esteve no local Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), à época candidato ao governo do Rio. Bispo da igreja Universal, ele orou por Lula e afirmou que o petista recebeu um “apoio fechado de todos os evangélicos”, algo que “nem Garotinho conseguiu”.
Segundo o Censo, havia 26 milhões de evangélicos no país em 2002, que representavam 15,1% dos brasileiros. Na pesquisa seguinte, em 2010, o percentual saltou para 21,6%, chegando a 26,9% no Censo de 2022. Em números absolutos, a taxa significa cerca de 57 milhões de brasileiros. Conforme a pesquisa Quaest deste mês, o governo Lula é desaprovado por 63% dos evangélicos, enquanto 34% o aprovam. A diferença atual é a segunda menor do ano, que teve o ápice em julho, com 41 pontos.
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Professor da USP e autor do livro “História do PT”, Lincoln Secco avalia que as lideranças evangélicas se mantêm pragmáticas, mas suas bases não formulavam valores em termos partidários. Embora temas religiosos já fossem importantes para as pessoas, ainda não havia a “fase de radicalização” representada por Bolsonaro.
— A aproximação de hoje pode ser conveniente para ambos os lados, pois não apareceu uma alternativa de extrema direita. Se surgir, a maioria dos evangélicos tenderá a apoiá-la — diz Secco.
Este mês, ao discursar no congresso do PCdoB, Lula reconheceu as dificuldades:
— Quando é que vamos deixar de dizer que os evangélicos são contra nós? Evangélicos não são contra nós nada. Nós é que não sabemos falar com eles. O erro está na gente, o erro não está neles.

