Era 1981 e Sylvio Passos, de 17 anos, estava maluco com “Metamorfose ambulante”, canção que desancava aquelas velhas opiniões formadas sobre tudo. Tanto que publicou um anúncio no jornal para descolar o telefone de Raul Seixas. Conseguiu. E acabou convidado para um almoço na casa do Maluco Beleza, em São Paulo.
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Sem nunca tê-lo visto antes, Raul deu um punhado de fitas de rolo, com gravações inéditas, para o jovem fã guardar. Um ano depois, o roqueiro baiano confiou a Passos (que apelidara de “Sylvícola”) três baús: um entulhado de livros, outro recheado de discos e um terceiro com os badulaques mais diversos, incluindo um diário onde o adolescente Raulzito listava suas namoradas.
Parte dos tesouros guardados por décadas nesses baús estará na exposição “O baú do Raul”, em cartaz no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, a partir de 11 de julho. A venda de ingressos começa no próximo sábado, data em que Raul completaria 80 anos. As centenas de itens que compõem a mostra foram garimpados nos acervos de Passos, da ex-companheira do cantor Kika, e da filha caçula deles, Vivi.
Entre os itens do acervo espalhados pelo museu, há letras manuscritas de canções como “Gîtâ” e “Cowboy fora-da-lei”, fotos, instrumentos, roupas e documentos — e até as luvinhas do enxoval do bebê Raulzito e o primeiro violão do baiano, que ele ganhou em 1954.
— Não tenho dúvida de que desse violão saíram os primeiros acordes desse negócio que a gente chama de rock brasileiro — emociona-se o “Sylvícola”, fundador do Raul Rock Club (fã-clube oficial do baiano). — Raul depositou uma confiança muito grande em mim, ele deixava tudo comigo. Dizia: “Isso tudo está mais seguro na sua mão do que na minha.” Ele guardava tudo porque queria se perpetuar de alguma maneira. Não tinha medo da morte, mas de ser esquecido. Ele até exagerava: “Pô, tenho guardado lá no meu baú o primeiro chiclete que masquei na vida.” A gente nunca achou esse chiclete (risos).
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No primeiro andar da exposição, 13 músicas clássicas de Raul guiam o visitante. Cada uma delas ganhou um espaço próprio, decorado com itens que remetem à composição ou ao lançamento. Por exemplo: no nicho dedicado a “Gîtâ” estará em exibição o colete ostentado pelo cantor no clipe.
Uma linha do tempo que atravessa toda a vida do roqueiro, destacando as datas mais importantes, estará no segundo andar, junto com as capas de todos os discos lançados ao longo da vida.
— Até quem não é fã conhece as músicas de Raul Seixas — diz André Sturm, diretor geral do MIS, insistindo que o objetivo de “O baú do Raul” é lançar um olhar sensível sobre a vida pessoal e a arte do baiano. — Raul está vivo. Ele representa o lado anárquico do brasileiro, que hoje está meio em baixa, capaz de criticar com leveza e bom humor. Temos que recuperar o espírito de Raul Seixas.
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É isso que os visitantes vão arriscar fazer no espaço “Toca Raul”, onde poderão se fantasiar de Raul Seixas e soltar a voz cantando “Gîtâ”, “Maluco beleza”, “Mosca na sopa”, “Metamorfose ambulante” ou “Eu nasci há dez mil anos atrás”. As performances serão gravadas e disponibilizadas aos participantes.
Nos três primeiros dias da exposição, haverá uma intensa programação paralela. No dia 11, Vivi Seixas e a DJ Paula Chalup vão apresentar o projeto musical “Rock das aranhas live” (leia abaixo). Para o dia 12, estão previstas a exibição de filmes sobre o cantor, uma oficina para crianças, apresentações musicais e a realização de um quiz sobre o autor de “Ouro de tolo” (valendo prêmio). E no dia 13 (que é Dia do Rock, diga-se), haverá mais atividades para os pequenos, mais filmes, um show da Putos Brothers Band (de Sylvio Passos, que vai tocar Raul, é claro) e um concurso de sósias do roqueiro.
Ao GLOBO, Vivi Seixas contou ter se emocionado revirando o acervo pai para montar a exposição. Ela confirma que Raul tinha mesmo pendor de arquivista.
— Meu pai criava um caderno para cada disco que lançava, o que mostra o quanto ele era meticuloso e envolvido com o próprio processo criativo. Era como se soubesse que aquilo tudo tinha valor, não só artístico, mas histórico, e estivesse construindo uma ponte para que as próximas gerações pudessem conhecê-lo — diz ela. — Se estivesse vivo hoje, aos 80 anos, com certeza ele ainda estaria criando. Talvez estivesse mais recluso, fazendo algo totalmente inesperado. Ele era imprevisível. O que eu sei é que o espírito contestador e criativo dele não teria envelhecido.