Além das delegações oficiais, ONGs, institutos e movimentos sociais se preocupam com a escalada dos preços das diárias de hotéis em Belém durante a COP30. Quando a capital paraense foi anunciada como sede, ativistas logo se mobilizaram para o que projetam ser a maior participação popular da história de uma COP, em níveis parecidos com o que foi visto na Eco-92, no Rio. Mas, em que pese a presença de parte desse público em acampamentos e hospedagens mais simples, a maior rede de organizações climáticas do mundo admite que a crise dos leitos é uma ameaça direta à participação efetiva da sociedade civil.
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Os altos preços e a baixa oferta de hospedagem já vinham sendo uma preocupação desde o início do ano. Mas o problema ganhou maiores contornos na semana passada, quando 27 países assinaram uma carta assinada cobrando soluções para as questões da infraestrutura da capital paraense. Uma pesquisa feita pelo GLOBO nesta segunda (4) em sites especializados mostrou que a estadia em um hotel três estrelas em Belém durante a COP é ofertada por quase o dobro da quantia praticada pelo Copacabana Palace.
Karla Maass, assessora de mobilização e campanhas do Climate Action Network Latin America (CANLA), rede de ação climática da América Latina, em português, que reúne mais de 70 ONGs de 13 países do continente, mostrou preocupação com o cenário. A CANLA é o braço latinoamericano do Climate Action Network (CAN), a maior coalizão de ONGs climáticas do mundo.
— Em um contexto marcado por instabilidade econômica global, inflação e redução do financiamento para ações climáticas, o aumento exorbitante nos preços de hospedagem não é apenas um inconveniente logístico, ele representa uma ameaça direta à capacidade de participação efetiva da sociedade civil. A participação precisa ser garantida não apenas em termos de acesso, mas também em termos de qualidade — afirmou a porta-voz.
Ela explicou que a presença de ONGs em COPs normalmente esbarra em “orçamentos restritos”, mesmo com esforços diversos. Karla Maass frisou que a participação social é crucial para as negociações climáticas.
— Não estamos indo a Belém para fazer turismo ou lazer. ONGs e organizações da sociedade civil são atores fundamentais no mais importante processo multilateral do nosso tempo. Nosso papel é garantir que as vozes e demandas das comunidades da linha de frente e dos grupos mais vulneráveis sejam realmente representadas e efetivamente incorporadas às negociações e aos resultados. Estamos definindo se nosso futuro coletivo será marcado por perdas devastadoras e sofrimento, ou se, juntos, embarcaremos na transição justa que o mundo urgentemente necessita. A gravidade dessa questão não pode ser subestimada.
As últimas COPs foram realizadas em sedes com contextos políticos específicos que dificultavam — ou até proibiam — a mobilização social e a realização de atos públicos. Por isso, as edições no Azerbaijão, Catar e Egito foram esvaziadas nesse sentido. Assim, quando surgiu a notícia de Belém, ONGs e coletivos se animaram com a possibilidade de repetir a Cúpula dos Povos, criada na ECO-92, e que funciona como uma “COP paralela” dos movimentos sociais. Na Rio+20, em 2012, o evento também aconteceu. A última vez que houve algo parecido foi na COP26, em Glasgow, em 2021, com o People’s Summit for Climate Justice (Cúpula dos Povos pela Justiça Climática.
Em Belém, são esperadas cerca de 20 mil pessoas para a Cúpula dos Povos, a maioria do Brasil, mas um contingente relevante estrangeiro. Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria, uma ONG socioambiental paraense, e membro do Comitê Político da Cúpula das Povos, diz que há uma estrutura sendo montada para pelo menos 10 mil pessoas, incluindo alojamentos, acampamentos, espaços para os painéis e para alimentação. Grande parte da Cúpula deve acontecer no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Esses números o fazem acreditar que será a COP com maior participação de movimento popular de todos os tempos. Ainda assim, e em que pese a lógica diferente de hospedagem em comparação com as delegações oficiais, concorda que a crise dos preços deve sim afetar muitas ONGs.
— A limitação de hospedagem pode afetar as ONGs. Nem todos vão querer ficar a tenda — afirma o ativista, que complementa que Belém realmente deve ter menos participantes, nos espaços oficiais, que as últimas COPs.
Karla Mass diz que há sim grande expectativa de participação na Cúpula dos Povos e destacou o protagonismo dos povos indígenas da Amazônia, mas cobrou que esse público seja tratado com mais seriedade.
— No entanto, a questão da hospedagem também afetará esse espaço — afirma a representante da CANLA. — É descuidado e desrespeitoso sugerir que as pessoas simplesmente durmam em redes, especialmente diante da intensidade das negociações e da exigência desses espaços. A sociedade civil está se preparando para contribuir de forma significativa no processo da COP30, e isso requer condições básicas que respeitem nosso papel e a seriedade do momento.
O pedido de apoio do governo brasileiro à Cúpula dos Povos é outro pleito em curso dos movimentos sociais, que acusam “um certo escanteamento por parte dos governos”. Por isso, o tema deve ser pauta de negociações junto ao governo federal. Para Scannavino, o evento paralelo deveria ser tratado como uma solução, e não como um problema.
— Do ponto de vista logístico, a Cúpula também é uma solução, porque é uma forma de organizar a participação social paralela à COP.
Mas estamos a 100 dias da COP e há pouca articulação do governo. Nos preocupa que o governo vem dando atenção aquém que deveria. Essas pessoas vão de qualquer maneira. É um grito da sociedade civil que conversa com os desafios da conjuntura mundial.
Plataforma de hospedagem lançada com atraso
O governo Lula lançou na sexta-feira, com meses de atraso, o acesso a uma plataforma de hospedagem para participantes do evento, como alternativa para fugir dos altos preços. Desde então, no entanto, a ferramenta apresenta instabilidade e uma fila virtual com mil usuários. Segundo a organização, a alta demanda tem gerado picos de acesso.
O ministro do Turismo, Celso Sabino, que viajou a Belém a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse na segunda-feira que o governo trabalha para eliminar “qualquer argumento” contra a realização de 100% da COP em Belém, mas admitiu não haver previsão de novos anúncios para reforçar a estrutura na capital paraense. Segundo o ministro, houve um “delayzinho” no lançamento da plataforma de hospedagem, o que contribuiu para a sensação de escassez na oferta de quarto.
A Secretaria Extraordinária da COP30 afirma que no portal serão ofertados mais de 2.700 quartos e que disponibiliza “uma diversidade de opções de hospedagem”. Outros 2.500 quartos individuais já haviam sido liberados aos países menos desenvolvidos membros da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC).
Como mostrou o GLOBO, diante da insatisfação internacional com a estrutura de Belém, o governo decidiu ampliar o leque de soluções improvisadas. Uma das alternativas à mesa é utilizar um conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida, cuja construção sequer foi concluída, como estadia temporária. Também foi anunciada a contratação de dois navios de cruzeiro. Já a Polícia Rodoviária Federal planeja adotar salas de aula como abrigo para os 900 agentes que atuarão no evento.