Recém-chegada ao Rio, na década de 1980, Elisa Lucinda foi convidada para participar de um evento de poesia, na Praia de Ipanema. Na ocasião, autores expunham os textos num varal e liam os versos, munidos de um megafone. “Somente eu sabia as minhas de cor. Quando acabou o repertório, comecei a recitar outros poemas que havia decorado, de nomes como Mário Quintana e Paulo Leminski”, recorda-se a atriz e escritora, de 67 anos, nascida no Espírito Santo. “As pessoas começaram a vir em direção ao nosso grupo, e jamais me esqueci de um gaúcho que abriu espaço e disse: ‘Guria, tens que abrir uma igreja!’.”
Elisa não seguiu exatamente o conselho do rapaz, mas fez sua fala ecoar cada vez mais alto e com maior alcance desde então. São mais de 20 livros publicados, e sua peça “Parem de falar mal da rotina”, em cartaz há 23 anos, é sucesso de público a cada temporada. “Como é um texto sempre atualizado, vou continuar fazendo enquanto tiver saúde e memória”, avisa a atriz, que acaba de estrear um novo espetáculo no Rio. “O princípio do mundo” está em cartaz no Teatro Correios Léa Garcia, no Centro.
A montagem parte do pressuposto de que a primeira criatura humana foi feita por uma mulher, a Mãe do Mundo (Elisa), que contracena com um jovem aprendiz (Gabriel Demarchi). Ela, então, discorre sobre o perigo do destino humano quando longe dos fundamentos matriarcais e convoca o público a se engajar numa cultura menos predatória e odiosa. “Fiz essa peça para dizer tudo o que quero falar neste momento. É uma oportunidade de contar a História a partir de outros parâmetros e mostrar como o futuro é ancestral.”
A dramaturgia é de Geovana Pires, parceira de longa data da atriz e mãe de Gabriel, de quem Elisa é madrinha. Trata-se da estreia do ator, de 14 anos, no teatro. “Fundamos juntas a Companhia da Outra, em que já criamos diversos espetáculos”, conta a comadre. “Meu filho foi criado entre as coxias. Então, faz parte disso. Ele é fruto dessa maneira diferente de se criar um menino. Estamos coroando uma parceria de 30 anos.”
A temporada vai até 27 de setembro, e Elisa pretende viajar o Brasil e o mundo com o projeto. São ambições de uma mente fervilhante que abraça todas as possibilidades criativas. Ela está escalada para uma nova novela da TV Globo, sobre a qual ainda não pode dizer detalhes, e tem ao menos três filmes a serem lançados até o ano que vem, incluindo “Geni e o Zepelim”, de Anna Muylaert. Além disso, acaba de publicar três novos livros: “Encontro com a Invenção” (Pallas), “Rê Tinta e a revolução escolar” (em coautoria com Estevão Ribeiro, pela Nova Fronteira) e “Diário do vento” (Malê). Este último, uma combinação entre poemas da escritora e fotografias de Vitor Nogueira feitas em Itaúnas, um refúgio onde ela tem casa, no litoral do Espírito Santo.
Feitos mencionados por ela com orgulho, na sala de seu apartamento em Copacabana, onde recebeu a reportagem. “Não fico sentada, esperando convite. Sempre estou no meu rolê”, diz, ciente de que o horizonte é tão promissor quanto as quatro décadas de carreira vividas até aqui. “Com certeza, vou morrer com sonhos por realizar, porque sempre tenho uma parada, bilhões de projetos.”
Energia, definitivamente, não é algo escasso na vida da atriz. “Acho chiquérrimo envelhecer. Não tenho intervenções no corpo, sou fiel ao meu fio dental e não gosto de ficar sem marquinha. Estou totalmente ‘on’, feliz da vida e namorando”, gaba-se, sobre o relacionamento com o músico Glaucus Linx, diretor musical da nova peça. Os dois viveram um romance há 38 anos e, há cinco meses, voltaram a se relacionar. “Estamos muito apaixonados, e esta é mais uma oportunidade que você só pode ter envelhecendo. É como se fosse uma segunda temporada de uma série excelente.”