Ozzy Osbourne persistiu por tanto tempo na cultura pop e ressurgiu em tantas formas diferentes — de líder diabólico do hard rock a pai perplexo em Beverly Hills — que é fácil perder de vista a essência de sua fama. A sonoridade arrepiante do Black Sabbath nos anos 1970 e seu trabalho solo surpreendentemente cheio de nuances a partir dos anos 80 ajudaram a definir o som e a personalidade de todo vocalista de heavy metal.

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Recentemente, apesar de ter lançado dois álbuns bem recebidos, Ozzy tem se apresentado pouco, em meio a problemas de saúde como mal de Parkinson e enfisema. Mas no sábado (5), num evento em sua cidade natal de Birmingham, na Inglaterra, que está sendo anunciado como seu último show, o músico de 76 anos se apresentará solo e com seus companheiros originais do Black Sabbath — o guitarrista Tony Iommi, o baixista Geezer Butler e o baterista Bill Ward.

A escalação do evento — idealizado por Sharon Osbourne, sua esposa e empresária — parece uma lista de convocação de alguns dos maiores nomes do metal e do hard rock, incluindo Metallica, Guns N’ Roses, Slayer e Tool. O diretor musical é Tom Morello, do Rage Against the Machine.

“Posso dizer que, se não fôssemos convidados para tocar, eu daria um jeito de estar lá de qualquer maneira, mesmo que tivesse que passar despercebido por baixo da cerca”, disse o baterista do Metallica, Lars Ulrich. “Acho que é bem possível dizer que, se não houvesse Black Sabbath, não haveria Metallica.”

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O sentimento de dívida de Ulrich com Ozzy é amplamente compartilhado entre músicos de rock em geral. “Ozzy é um dos cantores e intérpretes mais notáveis ​​do nosso tempo”, escreveu Elton John, que participou do álbum solo de Ozzy de 2020, “Ordinary Man”, em um e-mail. “Ele tem uma voz incrível e fez muito pelo metal.”

Em entrevistas separadas por telefone e e-mail, cinco astros do hard rock refletiram sobre a carreira e o impacto de Ozzy: Lars Ulrich; a cantora e guitarrista Lita Ford, que colaborou com Osbourne na balada “Close my eyes forever” do final dos anos 80; o líder do Smashing Pumpkins, Billy Corgan; o vocalista do Judas Priest, Rob Halford; e o baterista do Mötley Crüe, Tommy Lee. Estes são trechos editados das conversas.

Eu cresci em Copenhague e vi o Black Sabbath em 1977. Na Dinamarca, você ouvia muito pop-rock britânico, como Sweet and Slade, Alvin Stardust e Rubettes, e o Black Sabbath estava muito à esquerda disso.

Lars Ulrich, durante show do Metallica — Foto: Divulgação

A música naquela época, especialmente no mundo do rock mais pesado, era muito sobre habilidade, caras que realmente cantavam e gritavam. Mas o Ozzy eu percebia mais como um mensageiro, ou o veículo que transmitia aquelas palavras. Era um tipo diferente de comunicação; tinha um nível diferente de autenticidade.

O Black Sabbath parecia um espelho do que estava acontecendo na sociedade. Então, quando eles cantavam sobre o Vietnã, ou “War Pigs”, ou napalm, ou protestos, ou sobre autoridade institucional, havia uma sensação diferente de realidade.

Acho que quando os fãs olhavam para o Ozzy, sentiam que ele estava no mesmo nível que você, e ele era um espelho seu. Era quase como um precursor do punk rock que viria alguns anos depois, com a sensação de que “eu poderia fazer isso, eu poderia ser essa pessoa.”

A Sharon e o Ozzy foram muito gentis em nos deixar participar da turnê de 1986. Foi ótimo, obviamente, simplesmente estar na companhia de uma lenda daquele nível, que foi diretamente responsável por nossa existência como banda. O fato de eles acreditarem nisso o suficiente para nos deixarem dividir o palco com ele foi uma loucura.

O primeiro show que vi foi do Black Sabbath, e foi uma mudança de vida. Eu era muito fã na época porque, claro, cresci ouvindo todos os discos antigos do Black Sabbath, “Paranoid” e “Sabbath Bloody Sabbath”, e aprendi a tocar todos aqueles riffs. Saí daquele show pensando: “Ah, é isso que eu quero fazer da minha vida. Quero fazer as pessoas sentirem o que essa banda, o Black Sabbath, está me fazendo sentir hoje.”

Todos sabemos que Ozzy é um grande fã de Paul McCartney. Ele adora os Beatles, todas as harmonias melódicas — é de onde ele vem, a sua criação. E acho que “Close my eyes forever” foi uma colaboração natural que fizemos. Não houve pressão do tipo “você tem que compor um single Top 10”. Não, estávamos apenas nos divertindo naquela noite e, por acaso, criamos a música.

Mike Chapman, o produtor, deu vida à música. Ele nos colocou no estúdio e cantamos juntos. Colocamos uma placa de acrílico na nossa frente e cantamos cara a cara. O Ozzy cantou sem esforço algum.

Ele é um talento, isso é certo. Ele é um ótimo cantor. Com toda a loucura que existe no mundo dele, acho que as pessoas esquecem esse fato.

Billy Corgan, do Smashing Pumpkins

Ouvi “Master of Reality”, do Black Sabbath, pela primeira vez quando tinha 8 anos e, como músico, tenho buscado esse som desde então. O que me atraiu neles foi essa sensação de tédio cósmico e um calor sombrio que só eles têm.

Billy Corgan do Smashing Pumpkins — Foto: Mario Anzuoni
Billy Corgan do Smashing Pumpkins — Foto: Mario Anzuoni

Ozzy é um dos maiores cantores de hard rock e baladas de todos os tempos, além de um grande compositor. Tem uma conexão única com os fãs, e sua perseverança está ligada a esse carinho que temos por ele, e ele por nós.

Para mim, é a voz dele. Todos os outros aspectos intangíveis estão presentes em uma estrela, mas sua voz é um veículo singular, como Lennon ou Sinatra, pois transmite emoções e nuances além da letra cantada. Impossível de quantificar, mas imperdível.

Eu diria que “Goodbye to romance” é a música característica do Ozzy, porque foi Ozzy se libertando da decepção e da dor de ser demitido do Sabbath e reivindicando sua própria grandeza também. Ela mostra sua amplitude, seu coração e sua disposição para correr riscos imensos. Uma música que definiu sua carreira.

Não há uma única coisa na minha música que não tenha sido tocada pela imensa sombra da abordagem de Ozzy ao canto e da abordagem de Tony Iommi à guitarra. Sou eternamente grato a eles.

Rob Halford, do Judas Priest

Se pensarmos no começo de Ozzy com o Black Sabbath, ele estabeleceu sua singularidade naquelas primeiras turnês. E então, quando ele estava longe do Sabbath, eu pensava: “Bem, o que ele vai fazer agora?”

Judas Priest: dDa esquerda para a direita, Ian Hill, que está na estrada com o grupo há 55 anos, Scott Travis, Rob Halford, Richie Faulkner e Glenn Tipton — Foto: Divulgação/James Hodges
Judas Priest: dDa esquerda para a direita, Ian Hill, que está na estrada com o grupo há 55 anos, Scott Travis, Rob Halford, Richie Faulkner e Glenn Tipton — Foto: Divulgação/James Hodges

Eu sempre me concentro no Ozzy, o cantor. Acho que ele tem uma voz incrível, e sempre achei que o Ozzy foi um pouco esquecido nesse aspecto por causa de todas as outras coisas. Então, como músico, como cantor, ele é notável e único.

Ozzy sempre falava de si mesmo, das mensagens e do mundo como se todos pudessem entender. Era como se ele fosse seu amigo, mas você tivesse medo de conhecê-lo. Ele é um homem comum, trabalhador, no sentido musical, e essa é uma parte muito importante do seu legado — sua referência incessante aos fãs, o quanto ele os ama. Ele sente que nunca consegue dar o suficiente aos seus fãs.

Quando ele sobe no palco, os olhos do público nunca o deixam. São poucos os vocalistas que conseguem fazer isso. Ele envolve 20 mil pessoas em uma arena e toca cada uma delas.

Tommy Lee, do Mötley Crüe

O Ozzy é um dos motivos pelos quais ainda estamos aqui. Não consigo destacar o bastante o quão generoso ele foi quando fizemos turnê juntos no início dos anos 80. Normalmente, os headliners reservam um monte de luzes e quem abre o show tem uma fração do sistema de som, para que a banda de abertura não fique tão barulhenta quanto a banda principal. O Ozzy disse: “Você pode ficar com todas as luzes, ficar com todo o som, se divertir muito.” E isso realmente me emocionou. Eu nunca havia experimentado esse tipo de generosidade e igualdade que ele queria para todos.

Mötley Crüe. Tommy Lee, John 5, Vince Neil e Nikki Sixx: longa amizade com os britânicos do Def Leppard — Foto: Divulgação/Ross Halfin
Mötley Crüe. Tommy Lee, John 5, Vince Neil e Nikki Sixx: longa amizade com os britânicos do Def Leppard — Foto: Divulgação/Ross Halfin

Ele tem esse tipo de movimento característico. Ele meio que pula em um lugar e bate palmas. Há um sorriso maligno no rosto dele enquanto faz isso, mas acho que esse sorriso maligno é felicidade porque o lugar está enlouquecendo. Ele deixa o público saber que está curtindo tanto quanto, ou até mais, do que eles. Isso é se conectar com as pessoas. Essa conexão é importante, cara. Caso contrário, você está apenas fazendo isso por si mesmo.

Lembro de quando “The Osbournes” estreou, eu pensei: “Nossa, isso é legal. Permite que as pessoas entrem na onda da loucura dele”. Foi quando os reality shows estavam bombando, e acho que muitas pessoas, especialmente os jovens que assistiam ao programa, provavelmente não tinham ideia de que ele estava no Black Sabbath naquela época. O cara simplesmente volta e, não se reinventa, mas encontra outras maneiras de se conectar com as pessoas e se divertir dentro e fora do palco.

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