Um mês após a morte do empresário Adalberto Amarílio dos Santos Júnior, de 35 anos, a Polícia Civil de São Paulo está debruçada sobre um quebra-cabeça difícil de solucionar. A mais nova peça desse mistério envolve o sangue encontrado no carro da vítima. Acreditava-se que o material poderia ser da esposa dele, a farmacêutica Fernanda Dandalo, de 34 anos. Mas uma perícia recente revelou que, além do sangue de Adalberto, havia também vestígios de uma mulher ainda não identificada. Agora, os investigadores tentam descobrir quem era essa mulher misteriosa e o que ela fazia no veículo do empresário.

Adalberto desapareceu na noite de sexta-feira, 30 de maio, após participar de um evento automotivo em Interlagos, na zona sul da capital paulista. Três dias depois, na manhã de terça-feira, seu corpo foi encontrado por operários da obra dentro de um buraco de fundação, em uma área restrita do autódromo. Ele estava trajando apenas camiseta e cueca, sem calça nem tênis, e não havia sinais evidentes de violência ou roubo. O local onde o corpo foi deixado não era coberto por câmeras de segurança e suas peças de roupas não foram encontradas.

Naquela noite, Adalberto estava acompanhado do amigo Rafael Alistre, com quem circulou pelo evento até por volta das 21h. Segundo depoimento prestado à polícia, os dois se despediram dentro do autódromo e seguiram caminhos distintos até os respectivos veículos. Rafael estava de moto e Adalberto, de carro. Imagens de câmeras não muito nítidas mostram o empresário voltando sozinho ao veículo apenas uma vez, para pegar uma jaqueta e o capacete. Depois disso, não foi mais visto. Rafael afirmou não ter presenciado nenhuma confusão ou comportamento fora do comum por parte do amigo.

A análise do telefone celular de Adalberto reforça a cortina de mistério envolvendo o caso policial. Os peritos não encontraram nenhuma troca de mensagens suspeita nos dias que antecederam sua morte. Os investigadores identificaram apenas conversas corriqueiras com a esposa e com o amigo que o acompanhava no evento. Também foi descartada, até o momento, a hipótese de que ele estivesse se encontrando com alguma amante, como chegou a ser especulado. O celular dele parou de funcionar por volta das 20h15, quando a bateria acabou, segundo relato da esposa. Adalberto havia instalado um aplicativo que permitia o rastreamento de sua localização em tempo real. Com o aparelho descarregado, a polícia perdeu a possibilidade de monitorar seus passos no interior do autódromo. Outro fato intrigante: exames periciais detectaram a presença de PSA, um antígeno presente no sêmen, no corpo do empresário, mas sem espermatozóides. A polícia considera que a secreção pode ter sido liberada no momento da morte, o que não indica, necessariamente, relação sexual.

Além da escassez de imagens e testemunhas, a investigação esbarra em outras dificuldades técnicas. Exames não identificaram lesões internas ou traumas visíveis que esclareçam a causa da morte, o que mantém em aberto hipóteses como asfixia ou morte súbita. Também está em análise a dinâmica que levou o corpo até o buraco, já que os investigadores não descartam a possibilidade de que Adalberto tenha sido carregado por mais de uma pessoa. O terreno apresenta um desnível acentuado, o que pode ter alterado a posição do cadáver e dificultado a leitura da cena. Como caiu uma chuva forte naquele fim de semana, possíveis pegadas perto do buraco foram completamente apagadas.

Os investigadores já ouviram cerca de 30 pessoas no inquérito. A maioria dos depoimentos foi prestada por seguranças que trabalharam no evento, mais de 200 no total, de duas empresas diferentes. A polícia ainda não conseguiu localizar nenhuma testemunha que tenha presenciado diretamente o momento em que o empresário desapareceu ou morreu, o que tem mantido a investigação em um ponto cego. A principal linha de investigação aponta para a participação de seguranças no assassinato. Por outro lado, identificar quais deles estiveram diretamente envolvidos no crime é tão difícil quanto encontrar uma agulha no palheiro. A hipótese de que o empresário tenha sido morto por um segurança vem de uma informação levada até a polícia: é relativamente comum, em abordagens mais agressivas, que seguranças tirem a calça de uma pessoa imobilizada para constrangê-la ou impedir que ela fuja. “Essa possibilidade está sendo investigada com cautela”, disse um investigador. Mas nem mesmo essa tese é consenso dentro da polícia.

O inquérito do caso de Interlagos é presidido pelo delegado Fernando Elian, que recentemente elucidou o assassinato da professora de matemática Fernanda Reinecke Bonin, morta por estrangulamento com um cadarço e deixada em um terreno baldio na zona sul de São Paulo. O crime, ocorrido no dia 27 de abril, foi motivado por ciúmes e por um seguro de vida de R$ 500 mil, segundo as investigações. A ex-companheira da vítima, Fernanda Loureiro Fazio, foi apontada como mandante e denunciada junto com três cúmplices por feminicídio. Devido a complexidade das investigações, quem está a frente das investigações é o delegado Rogério Barbosa Thomaz, titular do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).

Rogério Barbosa Thomaz, do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) — Foto: Divulgação

Com quase 30 anos de carreira, Thomaz é considerado um dos investigadores mais experientes da Polícia Civil de São Paulo. Ele esteve à frente de casos de grande repercussão nacional. Entre eles, o assassinato da fisiculturista Fabiana Caggiano, estrangulada pelo marido em um hotel de Natal, no Rio Grande do Norte, em 2012. O criminoso ficou foragido por quase três anos até ser localizado pela equipe de Thomaz em Ibiúna, na Grande São Paulo. Também foram conduzidos por ele o resgate e a investigação do caso de uma idosa de 61 anos mantida em situação análoga à escravidão no bairro do Alto de Pinheiros, zona oeste da capital. A vítima trabalhava como empregada doméstica para uma família rica desde 1998, sem salário fixo, sem acesso a banheiro e vivendo em condições degradantes. O caso levou ao indiciamento de três pessoas por abandono de incapaz, omissão de socorro e redução à condição análoga à de escravo.

Sobre as críticas que a Polícia de São Paulo vem recebendo por ainda não ter elucidado o caso de Interlagos, o delegado Thomaz afirma que casos complexos como esse podem levar até anos para serem solucionados. Como exemplo, ele cita a prisão da empresária Marlene Bragagnolo, de 74 anos, ocorrida apenas na última sexta-feira, 27 de junho, no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Ela era considerada foragida desde 2018, acusada de ser a mandante do assassinato da própria cunhada, a empresária Rosana Bragagnolo, de 54 anos, morta com vários tiros no escritório de sua loja de cerâmica, na cidade de Itu, no interior paulista. Segundo as investigações conduzidas pela Divisão de Homicídios do DHPP, dois homens de capacete se passaram por clientes e invadiram o local, executando a vítima sem levar nada. Outros quatro suspeitos de envolvimento no crime já haviam sido presos em 16 de junho deste ano. A motivação do homicídio ainda está sob investigação, mas a polícia acredita que tenha sido um crime premeditado. “Esse tipo de caso exige tempo, cruzamento de dados, escutas e muito trabalho técnico. E, como se vê, pode demorar anos até que todos os envolvidos sejam responsabilizados”, afirma o delegado.

Nova perícia encontra sangue de mulher não identificada no carro de empresário morto em Interlagos