O influenciador digital Felipe Bressanim Pereira, de 27 anos, o Felca, ganhou espaço nas redes sociais com o tom sarcástico e a autocrítica para abordar, de forma descontraída, temas que vão do cotidiano a questões mais complexas. Foi o caso do vídeo sobre “adultização” de crianças e adolescentes, feito com uma linguagem simples e formato que lembra os chamados reacts — quando se faz comentários reagindo ou analisando outro conteúdo ou produtos.
A postagem viralizou ao listar casos de exposição de menores para gerar lucro nas plataformas digitais. A repercussão levou para o centro dos Poderes a agenda de regulação das big techs. O tema circulou nas redes puxado por páginas de entretenimento, segundo levantamento feito pela FGV Comunicação, e alcançou 30 milhões de interações no Instagram, 85 milhões de visualizações no YouTube e 400 mil menções no X.
— O Felca tem experiência no segmento de games e trabalha o tema no vídeo de forma diferente daqueles que atuam somente com postagens sobre a proteção infantil. Ele trouxe uma narrativa muito interessante, com um tema universal — explica o diretor da Escola de Comunicação FGV, Marco Aurélio Ruediger.
Natural de Londrina (PR), Felca começou a criar conteúdo em 2012, inicialmente como streamer de jogos de videogame. Com o tempo, sua atuação passou a ser ligada justamente aos vídeos de reacts, que se tornaram marca registrada. Hoje, ele soma quase seis milhões de inscritos em seu canal do YouTube e quase 16 milhões de seguidores no Instagram. No TikTok, tem público de mais seis milhões. Foi a rede chinesa, inclusive, que ajudou o influenciador a ganhar ainda mais projeção, em 2023, com as lives no estilo “NPC” (personagem não jogável, traduzido do inglês), em que os streamers imitam esses personagens.
Em maio deste ano, Felca já havia ficado em evidência no debate político ao criticar a forma como parlamentares encararam a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Apostas Esportivas, no Senado, na contramão de grandes influenciadores do país. Em um vídeo publicado nas redes sociais, ele reage ao momento em que o senador Cleitinho (Republicanos-MG) pede para tirar uma foto com a influenciadora Virgínia Fonseca durante um dos depoimentos. Ela foi convocada pela comissão por divulgar plataformas de apostas em suas contas. “O que eles estavam discutindo, apesar das risadas, é algo extremamente sério, uma questão de saúde pública. Os vídeos em jogos de azar têm nome: ludomania. Esse vício leva a pessoa a se isolar, a conflitos familiares e ao uso do dinheiro dos outros para continuar jogando”, criticou.
No vídeo, Felca cita que um dos públicos mais afetados com jogos de azar são os adolescentes. Ele critica Virgínia por divulgar as plataformas de forma “irresponsável”, relata ter recusado uma proposta de R$ 50 milhões para divulgar uma casa de aposta e faz um apelo aos que atuam na área. “É você (influenciador) o único agente dessa possível mudança, para que menos pessoas acreditem no sonho ilusório de um império bilionário fundado por ricos, mas com dinheiro dos pobres”, afirma.
A reação aos influenciadores levou Felca a receber ameaças. Com o vídeo sobre “adultização”, as intimidações aumentaram, diz. No canal PodDelas, ao ser perguntado sobre os cuidados que toma pelo fato de denunciar casos delicados, o youtuber respondeu que “anda de carro blindado e segurança”. Ele também disse que convive com ameaças de processos judiciais.
Antes de criticar Virgínia pelas bets, Felca fez um review, em 2023, testando uma base da marca de cosméticos da influenciadora, o que o ajudou a consolidar a fama para além do público mais fiel — seu fã-clube é chamado de “seita”. Felca costuma ainda fazer participações no canal do empresário, fisiculturista e influenciador fitness Renato Cariani, que é réu por tráfico de drogas, associação criminosa e lavagem de dinheiro e foi alvo de uma ação deflagrada pela Polícia Federal, em 2023. O youtuber é tratado nos conteúdos como “o maior projeto da história” do canal, que aborda musculação e a introdução a uma alimentação saudável.
Nos vídeos, Felca já falou de inseguranças com o próprio corpo. Ele contou ter sofrido bullying na infância por sempre ter sido mais alto — tem 1,95 metro de altura — e mais magro que os colegas de escola. O influenciador contou que, por ser mais quieto, era agredido pelos estudantes. Ele já relatou ter certa “fobia social”, na esteira das violências, que não o permitiram, na época, ir a festas e ter mais amigos.
