A Polícia Federal concluiu que o ministro de segunda classe do Itamaraty Pablo Cardoso, então ministro-conselheiro do Brasil junto à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), cometeu o crime de ameaça ao enviar um desenho de um “pênis com asas”, dentro de uma carta apócrifa, ao também diplomata Cristiano Ebner, chefe da Divisão de Saúde e Segurança do Servidor (DSS).
É o que consta no relatório da PF, obtido pela coluna e assinado pelo delegado Thiago Peixe em setembro passado, antes de o caso ser arquivado no mês seguinte. O documento foi submetido à Procuradoria e ao corregedor do serviço exterior, o embaixador Rui Vasconcellos, para apurar eventual prática de infração disciplinar.
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O inquérito foi instaurado em junho após Ebner comunicar à PF que recebeu em seu setor em Brasília uma correspondência com remetente fictício de uma inexistente “Fundação Kresus”, a qual continha uma ilustração colorida de um “pênis alado” (veja a imagem ao final). O chefe da DSS relatou ter se sentido ofendido e ameaçado.
Em depoimento, Ebner disse acreditar que a atitude tinha relação com as funções desempenhadas por ele no Itamaraty. É o responsável por lidar com exames admissionais e perícias médicas, que podem implicar no retorno de um servidor ao exterior ou adiar sua remoção do Brasil por questões de saúde.
Pelo código de rastreamento, investigadores descobriram que a carta foi postada numa agência dos Correios em Brasília, em 12 de junho. Os policiais então colheram imagens do circuito de segurança do local e identificaram que a correspondência foi remetida por um homem com calça escura e camisa da Eletrobrás. O suspeito foi identificado: tratava-se de um servidor da Eletronorte, que trabalha a 350 metros da agência.
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Intimado, o servidor alegou que não se recordava para quem enviara o envelope e negou que tenha sido o autor do desenho — inclusive por não possuir “qualquer habilidade artística”, segundo reconheceu o próprio mensageiro em seu depoimento. Também disse que nunca ouvira falar da tal “Fundação Kresus” e afirmou desconhecer a vítima. Questionado, respondeu que deveria ir de três a quatro vezes ao ano aos Correios.
Para a PF, sua versão não retratava a realidade. Primeiro porque confirmou ser a pessoa das imagens mas negou ter sido quem postou a carta. Além disso, avaliou a polícia, não seria natural uma pessoa que vai poucas vezes à agência não se recordar do que havia remetido. Naquele momento, porém, os investigadores não haviam conseguido estabelecer uma ligação com Ebner.
Isso só aconteceu depois que o chefe da DSS comunicou ter recebido contato de Pablo, admitindo ser o autor da “brincadeira”. O diplomata, radicado em Lisboa, reconheceu ter sido infantil e se desculpou. A PF então o intimou a prestar esclarecimentos.
Ao depor, Pablo confirmou ter desenhado a genitália colorida, ilustração que teria feito em 2010 ou 2011. Explicou que o amigo servidor tinha exemplares escaneados em sua casa e lhe pediu que enviasse ao colega de Itamaraty. O ministro-conselheiro também declarou já ter encaminhado desenhos dessa natureza a outros conhecidos, sempre em tom jocoso. E se reconhece como tendo “certo dom artístico”, que domina a técnica do desenho, embora “já tenha sido melhor“, além de ter um irmão desenhista profissional.
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Pablo ainda elucidou como chegou ao nome falso da fundação Kresus: foi numa conversa entre amigos em que discutia sobre o rei da Lídia, Creso, que era o homem mais rico do mundo. Fez assim uma troça juntando uma fundação beneficente a um indivíduo extremamente abastado.
Após as oitivas, a PF entendeu que Pablo se utilizou de um terceiro sem conexão com a vítima para remessa do desenho e incluiu informações falsas que não traduziam sua verdadeira identidade, para garantir a impunidade.
O delegado do caso concluiu que as informações prestadas materializavam o crime de ameaça. No relatório, sublinhou que a vítima possui alto nível de escolaridade e cargo de elevada complexidade, além de ampla capacidade de interpretação. Diz o documento:
“Estes preceitos, considerados em conjunto com o cenário de recebimento da correspondência especificamente direcionada à vítima, com qualificação completa e conhecimento acerca do local exato de trabalho, são capazes de gerar o temor exigido pelo tipo penal”.
No relatório, o delegado ressaltou, entretanto, que se tratava de um delito de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima é de seis meses de detenção, podendo ser substituída por multa. Expôs ainda que, pela jurisprudência, é incompatível o indiciamento pela prática de infrações dessa natureza.
O caso, no entanto, foi arquivado em 16 de outubro por decisão da Justiça pela “falta de elementos para a consumação do delito”. No âmbito do Itamaraty, Pablo assinou no mesmo mês um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), em que se comprometeu a manter um comportamento compatível com seu cargo num prazo de 24 meses em contrapartida de não ser aberto um processo administrativo disciplinar.
Neste ano, o Itamaraty decidiu designar Pablo para chefiar a embaixada em Guiné-Bissau. O agrément a ele foi concedido este mês. Será a primeira vez que comandará um posto no exterior, se aprovado em sabatina no Senado.
Procurado, Pablo afirmou que “não há qualquer procedimento em desfavor do servidor ‘tramitando na Corregedoria do MRE’. Disse que o “procedimento foi arquivado em outubro de 2024, após ter assinado um termo de ajustamento de conduta, que vem sendo rigorosamente cumprido desde então”. Acrescentou que “o procedimento não concluiu pela existência de assédio moral ou quebra de decoro e não acarretou qualquer penalidade disciplinar”. E ressaltou que “a investigação policial também foi arquivada no mesmo mês, ‘por falta de elementos necessários para a consumação do delito'”.
O Itamaraty disse que não ia comentar. Ebner não retornou o contato.