Operadoras de planos de saúde acreditam que o projeto da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de criar um plano que cubra apenas consultas e exames pode ampliar o número de usuários no setor, o que ajudaria no equilíbrio econômico-financeiro das empresas. Hoje, 52,1 milhões de brasileiros têm planos de saúde, pouco acima das 50,5 milhões de vidas cobertas há dez anos.
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O modelo simplificado — e mais barato — foi proposto pela ANS em fevereiro. Ele prevê contratos sem cobertura para emergência, internação, tratamentos e terapias. Caso alguma doença mais grave seja diagnosticada, o usuário continuaria a depender do Sistema Único de Saúde (SUS).
Para as operadoras, o novo tipo de contrato é uma oportunidade de expandir o setor e disputar o espaço ocupado por cartões de benefícios. Sem regulação, esse serviço é geralmente oferecido por clínicas populares, onde o usuário paga uma mensalidade que garante descontos em consultas e exames laboratoriais.
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— No fim das contas, essas empresas vendem um atendimento de baixa complexidade e depois, se for o caso, o usuário vai pro SUS. Mas isso precisa ser mais estruturado. Temos infraestrutura para ocupar esse espaço que já está tomado pelos cartões de benefícios e trazer mais segurança para o usuário — defende Gustavo Ribeiro, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
Fazer frente à expansão dos cartões de desconto também é o argumento da ANS, que estima que ao menos 50 milhões de pessoas usem esses serviços, quase o mesmo volume de usuários de planos de saúde.
“A ideia é oferecer aos brasileiros uma opção de produto regulado, com garantia de cobertura para consultas eletivas de todas as especialidades e para uma ampla lista de exames — muitos de alta complexidade —, como colonoscopia, endoscopia, tomografia e ressonância magnética, por um baixo custo mensal e sem limite de quantidade”, afirma a ANS.
Ribeiro, da Abramge, defende ainda que, para dar certo, é preciso integração com o Ministério da Saúde para elaborar um mecanismo para estruturar a passagem dos usuários desses planos simplificados ao SUS em caso de necessidade de atendimentos de média e alta complexidade, como uma biópsia de câncer ou uma cirurgia, por exemplo.
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A criação de uma “central de regulação” também é citada por Luciane Infanti, CEO da Eloss, consultoria de estratégia em saúde para operadoras e empresas empregadoras. Para a especialista, já existem no país atendimentos que funcionam dessa forma, como o sistema de transplante de órgãos, cuja fila de pacientes públicos e privados é administrada pelo SUS:
— Precisa ter os mesmos protocolos de classificação de risco, independentemente da origem ou fonte de financiamento do paciente. Isso garante a condição de equidade, que é cuidar das pessoas por ordem de risco, não por ordem de prioridade ou origem de diagnóstico e encaminhamento.
Mas o projeto preocupa outros especialistas e até servidores do órgão regulador. No fim de abril, o Ministério Público Federal (MPF) encaminhou uma nota técnica à ANS pedindo novos estudos e a reformulação da proposta, destacando que a agência não realizou estudos técnicos e que falta participação de representantes do Ministério da Saúde nas discussões.
Além disso, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) levou o tema à Justiça numa ação civil pública em março, pedindo a suspensão da proposta.
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Diretor de Pesquisa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) e professor da FGV, Rudi Rocha avalia que a possível oferta de planos simplificados traz riscos aos usuários e ao SUS. Ele argumenta que o produto abriria margem, entre outros pontos, para rebaixamento das coberturas, com as empresas empregadoras trocando planos tradicionais de seus funcionários pelas opções restritas.
No último dia 21, Rocha assinou — ao lado do presidente do Ieps, o economista e ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, e outros pesquisadores do instituto — um artigo no GLOBO abordando o tema. No texto, a entidade questiona o que aconteceria quando um usuário desse tipo cobertura precisasse retornar ao SUS para atendimentos de média e alta complexidade.
“Nos casos de câncer, o diagnóstico nem sequer será concluído, pois não há cobertura para biópsia. Ao retornar ao SUS, esse paciente (…) repetirá toda a jornada de consultas e exames por que passou no setor privado até o diagnóstico, perdendo o tempo em que poderia já estar em tratamento?”, questionam.
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— Existem vários riscos que parecem não ter sido antecipados. O acesso ao SUS já é problemático. Existe risco de pessoas com exames e diagnósticos pela rede privada acessarem as filas do SUS mais à frente, deixando para trás quem iniciou sua jornada de tratamento no setor público, por exemplo — diz Rocha.