Às vésperas da COP30, a Petrobras recebeu ontem a licença de operação no Ibama para perfuração de um poço exploratório no bloco FZA-M-059, localizado em águas profundas do Amapá, a 500km da foz do Rio Amazonas e a 175km da costa, na Margem Equatorial brasileira. A discussão sobre o licenciamento ambiental se estende desde 2020.
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O volume recuperável estimado dá a dimensão do impacto do projeto para a petroleira. Com o mapeamento da porção noroeste da Bacia da Foz do Amazonas, estudo aponta previsão de 6,2 bilhões de barris de óleo equivalente (boe), de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Como base de comparação, as reservas provadas da Petrobras somam 11,4 bilhões de boe.
Segundo a empresa, a perfuração na Bacia da Foz do Amazonas está prevista para ser iniciada imediatamente, com a duração estimada de cinco meses. Na fase de pesquisa exploratória, a estatal busca obter mais informações geológicas e avaliar se há petróleo e gás na área em escala econômica. Não há produção de petróleo nessa fase.
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O setor e integrantes do governo comemoraram a licença, enquanto ambientalistas a veem com preocupação e apontam a proximidade em relação à COP30 como uma sabotagem à conferência. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, reforçou que o processo será acompanhado de segurança ambiental:
— A Margem Equatorial representa o futuro da nossa soberania energética. O Brasil não pode abrir mão de conhecer seu potencial. Fizemos uma defesa firme e técnica para garantir que a exploração seja feita com total responsabilidade ambiental, dentro dos mais altos padrões internacionais, e com benefícios concretos para brasileiras e brasileiros. O nosso petróleo é um dos mais sustentáveis do mundo.
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou diversas vezes o Ibama pela demora na concessão da licença e chegou a chamar o processo de “lenga-lenga”. A defesa da aprovação da licença era um compromisso de Lula com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), eleito pelo estado, e uma aposta para gerar emprego e investimentos na região. Em nota, Alcolumbre afirmou: “Essa é uma vitória do Amapá e do Brasil. Um marco, resultado do empenho e do trabalho conjunto”.
O plano de investimento da Petrobras 2025-2029 reserva US$ 3 bilhões para investimentos em 15 poços na Marquem Equatorial, incluindo a perfuração do poço liberado pelo Ibama ontem. Desse total, oito poços serão perfurados na Bacia da Foz do Amazonas.
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Em nota, a presidente da Petrobras afirmou: “Vamos operar na Margem Equatorial com segurança, responsabilidade e qualidade técnica. Esperamos obter excelentes resultados nessa pesquisa e comprovar a existência de petróleo na porção brasileira dessa nova fronteira energética mundial”, disse Magda Chambriard, presidente da Petrobras.
O Ibama informou que a emissão da licença ocorreu após “rigoroso processo de licenciamento ambiental”, que contou com elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), realização de três audiências públicas, 65 reuniões técnicas setoriais em mais de 20 municípios dos estados do Pará e do Amapá, vistorias em todas as estruturas de resposta à emergência e unidade marítima de perfuração, além da realização de uma Avaliação Pré-Operacional, que envolveu mais de 400 pessoas, incluindo funcionários e colaboradores da Petrobras e equipe técnica do Ibama.
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O Ibama chegou a indeferir a licença em 2023, mas a Petrobras recorreu. Após esse momento, Ibama e Petrobras iniciaram intensa discussão. De acordo com o órgão ambiental, isso permitiu “significativo aprimoramento substancial do projeto apresentado, sobretudo no que se refere à estrutura de resposta a emergência”. Entre as exigências, estão um Centro de Reabilitação e Despetrolização em Oiapoque (AP), que se soma ao de Belém (PA), além da inclusão de três embarcações offshore dedicadas ao atendimento de fauna oleada, entre outros.
O órgão ambiental afirmou que durante a atividade de perfuração, será realizado novo exercício simulado de resposta a emergência, com foco nas estratégias de atendimento à fauna.
O Ministério do Meio Ambiente reafirmou que a licença foi dada após “rigoroso processo de análise ambiental” por parte do órgão ambiental desde 2014. “Com sua capacidade de análise técnica, o Ibama exigiu aprimoramentos indispensáveis ao projeto, sobretudo nas medidas de resposta a emergências”, disse a pasta chefiada por Marina Silva.
Na semana passada, Magda havia demonstrado preocupação com a demora na licença, pois o prazo previsto no contrato da sonda terminaria hoje, ou seja, se a perfuração não começasse, a sonda poderia ser retirada da locação.
Pedro Rodrigues, sócio da consultoria CBIE, diz que o Brasil precisa de novas fronteiras para se manter relevante como grande produtor de petróleo. Para isso, é necessário avançar, já que o pré-sal deve entrar em declínio a partir de meados da próxima década.
— Depois das águas rasas, das águas profundas e ultraprofundas com o pré-sal na Bacia de Santos, o Brasil se tornou uma potência global. Mas esses campos todos têm uma vida útil; por isso, é preciso seguir descobrindo novas reservas — disse Rodrigues.
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Para ele, o Brasil perdeu muito tempo nos últimos dez anos discutindo o licenciamento para a Bacia da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial. Enquanto isso, Guiana, país vizinho, começou a explorar suas reservas e foi um dos que mais registraram crescimento em seu PIB.
Segundo a ABESPetro, que reúne empresas de serviços do setor, a licença é passo histórico para manter a autossuficiência em petróleo.
— A produção de petróleo e a industrialização que ela induz são fatores imprescindíveis para que o Brasil mantenha o ritmo de criação de empregos de alta qualificação e remuneração. Isso é de particular relevância para as regiões Norte e Nordeste do país, que serão intensa e positivamente impactadas por este avanço — afirmou Telmo Ghiorzi, presidente-executivo da associação.
Edmar de Almeida, professor do Instituto de Energia da PUC-Rio, lembra que o licenciamento é apenas o início do processo.
— A licença, por ora, dá direito ao Brasil de verificar se existe potencial. E, se sim, a empresa vai poder também explorar o petróleo — disse. — Para a Petrobras, é fundamental, porque ela precisa de novas áreas de exploração para renovar suas reservas de petróleo. Hoje, está muito concentrada em Santos, no pré-sal. E essa área vai atingir maturidade em breve. A partir daí, vai cair a produção.
A Bacia da Foz do Amazonas faz parte da Margem Equatorial, uma área de mais de 2.200 quilômetros de litoral do Norte e Nordeste, entre os estados do Amapá até o Rio Grande do Norte. Ambientalistas dizem que a região abriga os manguezais da Costa Norte, que são o maior cinturão de manguezais do mundo, além do grande sistema de recifes da Amazônia, descoberto apenas em 2016.
O interesse na exploração do petróleo na bacia cresceu após descoberta de grandes reservas do óleo no litoral da Guiana, em 2015.