O Ministério da Educação (MEC) disse que vai acionar a Polícia Federal para apurar a conduta e a autoria na divulgação de questões que foram anuladas após a constatação da “similaridade” com itens do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2025. A pasta afirmou que o objetivo é garantir a responsabilização dos envolvidos “por eventual quebra de confidencialidade ou ato de má-fé pela divulgação de questões sigilosas de forma indevida”. O comunicado do MEC não cita nomes, mas vem em meio à controvérsia envolvendo o estudante de Medicina Edcley Teixeira, que respondeu numa live, dias antes, perguntas praticamente idênticas às que caíram na prova do último domingo.
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Antes da aplicação do Enem, o Ministério da Educação testa as questões em diferentes avaliações nacionais para medir a qualidade das perguntas e seus níveis de dificuldade. Esses são os pré-testes, dos quais Edcley diz participar. O universitário afirma que consegue lembrar de detalhes das perguntas e, com isso, vende aulas on-line como curso preparatório.
Em 2011, um professor do Ceará chegou a ser condenado a seis anos de reclusão sob a acusação de ter vazado aos seus alunos questões idênticas às do Enem daquele ano. Ele havia distribuído aos estudantes do Colégio Christus um simulado, e a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) destacou que Jahilton José Motta conseguiu os itens por meio do pré-teste.
Ele foi considerado culpado em primeira instância pelo cometimento do crime do artigo 311-A do Código Penal (fraudes em certames de interesse público) e por estelionato, mas acabou absolvido pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), em 2016.
Os desembargadores destacaram que o crime do artigo 311-A foi incluído na legislação penal do país pela Lei nº 12.550, de 16 de dezembro de 2011 — ou seja, depois do cometimento do suposto delito de Motta e não poderia ser aplicado ao caso. Pelo princípio da legalidade, ninguém pode ser punido por um ato que não seja considerado crime por uma lei existente e promulgada antes da sua ocorrência.
Os desembargadores também destacaram que a acusação não provou que o professor tinha consciência de que as questões teriam origem ilícita. Além disso, o TRF-5 decidiu que a acusação não conseguiu comprovar que o fato foi cometido para se obter vantagem patrimonial, como pede o tipo penal do estelionato.
Na época, o MEC anunciou a anulação das notas dos 639 alunos do Colégio Christus. Dez questões idênticas e uma parecida às do Enem foram identificadas no banco de questões da escola, alimentado por professores, alunos e ex-alunos — parte delas pode ter sido incluída por pessoas que participaram de pré-testes do exame.
A live de Edcley foi transmitida pelo YouTube cinco dias antes do Enem. Segundo a plataforma, ela foi realizada no dia 11 de novembro de 2025 no canal de Edcley. No item 34, ele apresenta uma questão de Biologia sobre espécies que evoluem e se mantêm restritas a alguns ambientes específicos. A prova do Enem deste ano apresentou uma pergunta sobre o mesmo tema com o enunciado diferente do que foi usado por Edcley, mas com quatro das cinco alternativas idênticas às do professor — inclusive a resposta correta.
Edcley afirma ainda no vídeo que o Banco Nacional de Itens, um repositório de questões do Inep, estava sofrendo com a falta de questões — uma informação publicada por O GLOBO no final de 2021. Por isso, o MEC precisava pré-testar as questões no mesmo ano em que elas eram utilizadas pela prova do Enem. Assim, era possível conhecer as perguntas no pré-teste e trabalhá-las para a próxima edição do exame.
O estudante universitário defende não ter feito “nada de errado”. Em imagens publicadas no Instagram, ele afirmou que “nunca se sentiu tão bem” e que recebeu milhares de contatos de interessados em sua mentoria para o teste após a divulgação do caso.
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— Meus amigos estão aqui, minha família, tá todo mundo aqui. A gente fez um batalhão para responder meu WhatsApp. Tem umas seis mil pessoas falando comigo. Então, tá tudo muito bem, nunca me senti tão bem. Vou dormir o sono dos justos. Tá tudo certo, não fiz nada de errado. Ninguém precisa se preocupar comigo, tá? Não fiz nada de errado. Vocês veem que as próprias notícias não são em tom pejorativo. Então, não precisa se preocupar, tá tudo bem. A galera está aqui prestando apoio, me ajudando aqui no WhatsApp, tá? — destacou.
No Instagram, Teixeira aproveitou a repercussão da live para promover o que chamou de “método exclusivo de preparação” — ao custo de R$ 1.320 — e criticou aqueles que o “reduziram falsamente” a um vazamento do exame. Ele afirmou que o Enem “sempre foi e sempre será redundante” e que basta fazer uma “engenharia reversa” para chegar às tendências das provas seguintes.
Em 2022, Teixeira gravou um vídeo “denunciando” que cursinhos utilizavam a prova Prêmio Talento Capes Universitário para ter acesso a questões que seriam feitas no exame — exatamente a estratégia que ele passou a adotar a partir do ano seguinte.
No vídeo publicado em 29 de setembro de 2022, Edcley começa a gravação dizendo que explicaria “como os grandes cursinhos, que não posso citar nomes, hackeiam o Enem”. Ele também classifica a estratégia, que passou a utilizar nos três anos seguintes para vender cursos preparatórios, como “vazamento”.
— Os cursinhos estão atentos. O vazamento acontece na prova do Talento Universitário. Muitos cursinhos usam seus alunos para fazer essas provas e decorar as questões. Sabe-se que muitas das questões do Talento Universitário são descartadas, mas outras acabam na prova — afirmou ele na gravação.
Ainda segundo Edcley no vídeo, isso fragiliza o Enem.
— Os itens deveriam ser testados com anos de diferença para a prova — defendeu.
No ano seguinte, no entanto, ele passou a tratar a situação de outra forma. Num material que ele disponibiliza em 2023 chamado “Essas questões estarão no Enem 2023”, Edcley afirma que teve “a oportunidade de participar do pré-teste do Enem, o Prêmio Capes Talento Universitário, uma prova na qual o Inep avalia possíveis questões para o Enem”, e que “com a colaboração de cinco amigos” conseguiu se lembrar “de 90 questões inéditas”.
“É importante ressaltar que todas as questões são criações originais de Edcley de Souza Teixeira, embora tenham sido inspiradas em questões reais do pré-teste. Dessa forma, não há qualquer risco jurídico envolvido, uma vez que a inspiração nas questões do pré-teste não implica em cópia ou plágio, e o Inep não possui poder de censurar a memória de um estudante”, afirma ele no documento.
Versão apresentada por Edcley:
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Versão apresentada por Edcley:
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