Marco físico que divide o Centro histórico do moderno, o Vale do Anhangabaú contrariou sua vocação separatista e uniu, em um show vibrante e gratuito, os gêneros musicais erudito e popular na tarde deste sábado em São Paulo. Como um bom anfitrião, o maestro Wagner Polistchuk, à frente da Orquestra Experimental de Repertório (OER), abriu as portas do Theatro Municipal, atravessou a rua e recebeu o trio de cantores formado por Negra Li, Roberta Sá e Frejat.
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Promovido pelo GLOBO, o Projeto Aquarius propaga a música clássica para grandes plateias a céu aberto desde 1972. Na tarde de ontem, mais uma vez desmistificou a ideia de que esse gênero só atrai público para as salas de concerto. Em sua quinta edição em São Paulo, os organizadores escolheram o coração da capital paulista para democratizar o estilo erudito.
Nem sequer o céu cinzento foi capaz de tirar o brilho dessa celebração à música brasileira. O público se emocionou com canções como “Bachianas brasileiras”, de Heitor Villa-Lobos, além das faixas “Palco”, de Gilberto Gil, e “Na puxada da rede”.
Nascida na Vila Brasilândia, na Zona Norte de São Paulo, a rapper Negra Li estava à vontade cantando para seus conterrâneos. Ela interpretou “Vai na Fé” (música de abertura da novela homônima, da TV Globo) e “Você vai estar na minha”.
— Apesar de ser uma pessoa que adora a natureza, São Paulo é uma coisa, assim, que me cativa. Gosto desta sensação de uma cidade que não para. Acho que tem tudo a ver com a minha música, que é uma música urbana, que é periférica, que tem a ver com comunidade. Porque São Paulo não é só centro, né? São Paulo é enorme, é um país — comemorou.
A cantora e intérprete potiguar Roberta Sá homenageou Beth Carvalho e Zeca Pagodinho com as canções “Andança” e “Verdade”. A apresentação teve um quê de especial para ela. Em seus 20 anos de carreira — e muitos shows em São Paulo —, foi sua primeira vez cantando no Vale do Anhangabaú.
— Esse encontro de universos foi uma escolha que mostra a diversidade da música brasileira. A união de muitos mundos — afirmou. — E de graça. Eu acho isso maravilhoso. Adoro cantar quando o show é de graça. O valor do ingresso é proporcionalmente inverso à animação do público, geralmente. Quando o show é de graça, o público te recebe com outra abertura. É muito linda a troca com esse público da rua, sabe? Eu gosto muito de cantar pra rua.
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Ex-integrante do grupo Barão Vermelho, o cantor Frejat era, até pouco antes do evento, uma atração secreta do show. No palco, o carioca mostrou que o rock que o consagrou pode ganhar, sem grandes esforços, uma roupagem orquestral. Ele trouxe em seu repertório os hits “Amor pra recomeçar” e “Segredos”, ambos de seu primeiro álbum solo, de 2001, além de “Malandragem”, composta com Cazuza.
Veterano do Aquarius, Frejat cantou pela primeira vez pelo projeto em 1984, num encontro entre a Orquestra Sinfônica Brasileira, o grupo Barão Vermelho e a banda Blitz na Praça da Apoteose, no Rio.
— Adoro tocar com orquestra. A sensação que a gente tem de estar com uma música que você fez ali no violão e na voz e, de repente, você tem uma orquestra toda atrás de você… Dando uma grandiosidade pra música e, em alguns momentos, também a delicadeza de um arranjo, é muito bacana — comemorou.
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A dona de casa Maria Casemiro de Oliveira, de 66 anos, compareceu ao Anhangabaú com as três gerações da família para prestigiar Frejat, de quem é fã desde os anos 1980. Estava acompanhada das duas filhas e uma neta, e comemoravam ainda o aniversário de três delas, ocorridos em setembro.
— Passei este gosto pra minhas filhas assistindo Frejat na TV, porque nunca tinha tido oportunidade de ir a um show dele — disse Maria.
A filha mais nova dela, Eicy Mota Santos, de 29 anos, assistente de e-commerce, avalia que o rock de Frejat e a música clássica funcionam muito bem juntos.
— Combina bastante. As músicas do Frejat têm a presença, por exemplo, do violino, algo que remete à música clássica. E a influência de outras bandas de antigamente que trazem o gênero — afirmou.
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O professor de Geografia Henrique Oliveira, de 47 anos, não gosta de sair de casa, mas se rendeu ao apelo dos nomes escalados para o show e enfrentou o dia nublado para assistir a alguns ídolos. Entre eles, a cantora Roberta Sá, que viu 12 anos atrás.
— Ela é maravilhosa, pude vê-la no começo da carreira. E esta ideia de juntar música clássica com outros ritmos é magnífica, atende a todos os gostos — disse.
A artista Fabiana Schmitt Takemoto, de 42 anos, tomava um café no Centro de São Paulo quando viu a movimentação da instalação do palco e tomou conhecimento do show. Decidiu ficar ao saber da boa coincidência: a presença da rapper Negra Li.
— Somos artistas periféricos e nos identificamos com a arte dela — contou.
O empresário, produtor e cenógrafo Abel Gomes, de 73 anos, é quem assina a idealização e execução do Projeto Aquarius há várias edições. Para levar a música erudita a grandes públicos, conta com sua vasta experiência de 24 anos à frente do réveillon de Copacabana, um dos maiores do mundo.
Das cinco ocasiões em que ancorou em terras paulistanas, a edição de 1981 do Aquarius foi uma das mais memoráveis. Na ocasião, o Monumento do Ipiranga recebeu uma multidão que ansiava para ver uma reconstituição do Grito da Independência no dia 7 de setembro. A Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), naquele dia, foi regida pelo maestro e pianista Arthur Moreira Lima, morto aos 84 anos em outubro passado.
Na edição 2024, a festa encheu de música a área externa do Auditório Oscar Niemeyer, no Parque do Ibirapuera. O sucesso ficou por conta da união da Orquestra Experimental de Repertório, sob a batuta do maestro Wagner Polistchuk, com os cantores Xênia França, Rael e Luedji Luna.
O Projeto Aquarius foi uma iniciativa do jornalista Roberto Marinho (1904-2003) com o então gerente de promoções do GLOBO, Péricles de Barros (1935-2005), e o maestro Isaac Karabtchevsky. Desde sua criação, em 1972, foi um método inovador de formar novos fãs para a música clássica e incluir culturalmente plateias que estavam distantes dos grandes concertos.
O Ministério da Cultura e a Petrobras apresentam o Aquarius São Paulo através da Lei de Incentivo à Cultura. O evento tem o Estado de São Paulo e a cidade de São Paulo como anfitriões, patrocínio máster da Fundação Theatro Municipal, apoio institucional do Governo do Estado de São Paulo, Metrô SP, Detran-SP, Visite SP e Abear. Tem o apoio da Motiva, por meio do Instituto Motiva, Sabesp, Porto e da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo; assessoria de imprensa InPress Porter Novelli, Novo Anhangabaú como local oficial, rádio CBN como rádio oficial, produção da SRCOM e parceria da Cenógrafos. Realização O GLOBO e Ministério da Cultura, Governo Federal.