O número de estudantes internacionais que chegaram aos Estados Unidos em agosto caiu 19% este ano em comparação com o ano passado — o maior declínio já registrado fora da pandemia. A quantidade de estudantes brasileiros diminuiu 6,8% em relação a agosto de 2024. O mês de agosto é um indicador importante porque é quando a maioria dos estudantes internacionais chega aos EUA para o semestre de outono (no Hemisfério Norte) — já que não podem entrar no país mais de 30 dias antes do início das aulas —, que geralmente acontece entre o fim de agosto e o início de setembro.
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A queda está relacionada a algumas ações do governo do presidente americano, Donald Trump, como os atrasos de processamento de vistos, proibições ou restrições de viagens para nacionais de 19 países, ameaças de deportação de estudantes internacionais por discursos pró-palestinos e intensificação da verificação de candidatos a vistos de estudante.
Os dados, baseados em registros de chegada de estudantes estrangeiros, incluem tanto novos estudantes internacionais que entram nos EUA quanto estudantes que retornam ao país. Isso significa que não sabemos apenas o número de novos estudantes. Embora os números reais de matrículas ainda não sejam conhecidos, os dados de viagens oferecem um sinal precoce das tendências dos estudantes internacionais e como elas variam entre países e regiões.
O número de brasileiros que entrou nos Estados Unidos com visto de estudante vinha crescendo de 2015 (7.933) a 2019 (10.566), seguiu a tendência de queda brusca durante a pandemia (2020: 797) e voltou a recuperar força em ritmo mais lento entre 2021 (7.888) e 2024 (8.676). Em agosto de 2025, segundo dados preliminares da Administração de Comércio Internacional (ITA) dos EUA, houve uma queda de quase 7% na quantidade de estudantes brasileiros que entraram no país (8.082).
A quantidade de estudantes da América do Sul, cerca de 6% dos estudantes internacionais nos EUA, também apresentou declínio neste ano, apesar das viagens estudantis terem sido relativamente estáveis, exceto pela pandemia.
Os dados capturam viagens de muitos países, mas não de todos. O número de estudantes que chegam do Canadá e do México por via terrestre, por exemplo, é divulgado com um atraso de dois meses. E, para muitos países, o número de estudantes internacionais que vão para os EUA é pequeno. No geral, menos estudantes da maioria dos países incluídos nos dados chegaram ao país em agosto de 2025.
Os Estados Unidos recebem o maior número de estudantes internacionais no mundo: cerca de 1,3 milhão de alunos de doutorado, mestrado, bacharelado e cursos técnicos, de acordo com dados recentes do governo, sendo mais de 70% deles da Ásia. Este ano, o número de estudantes asiáticos que chegaram aos EUA em agosto caiu 24%.
Quase um em cada três estudantes internacionais nos EUA é indiano. O número de estudantes oriundos da Índia já havia começado a diminuir no ano passado, mas em agosto deste ano caiu mais 44%, devido a atrasos prolongados no processamento de vistos de estudante.
Cerca de um em cada cinco estudantes internacionais nos EUA é da China. Desde o fim da pandemia, menos estudantes chineses se matricularam em universidades americanas, devido ao aumento das tensões entre os dos países. Em agosto deste ano, o número de estudantes chineses que chegaram ao país continuou a diminuir.
Europeus mantiveram números
Estudantes europeus representam cerca de 7% dos estudantes internacionais dos EUA. Mas representaram cerca de 16% das chegadas de estudantes internacionais em agosto. Seus números de chegada permaneceram praticamente semelhantes aos do ano passado.
Houve mais estudantes chegando do Reino Unido e ligeira queda no número de estudantes da Espanha e da Alemanha. A maior queda no número de estudantes europeus visitantes veio da Rússia, país que tem relações tensas com os Estados Unidos.
Declínios na África e no Oriente Médio
Estudantes da África também representam cerca de 7% dos estudantes internacionais nos EUA. O número de chegadas em agosto de 2025 caiu em quase um terço em relação ao mesmo mês no ano passado. A proporção de estudantes vindos de Gana e Nigéria caiu quase pela metade.
Em julho, os Estados Unidos impuseram regras mais rígidas para diversas categorias de vistos a cidadãos de Gana, Nigéria , Etiópia e Camarões. Esses vistos agora permitem uma única entrada no país e são válidos por três meses (vistos de estudante normalmente permitem múltiplas entradas e são válidos por vários anos). Em setembro, os EUA reverteram essas restrições para Gana, após o país concordar em aceitar pessoas deportadas dos Estados Unidos.
Os dados também mostram um declínio de uma década no número de estudantes vindos do Oriente Médio, que representavam cerca de 5% de todos os estudantes internacionais em 2024, impulsionado em grande parte pela queda no número de estudantes da Arábia Saudita.
Por que menos estudantes internacionais chegaram aos EUA em agosto? Aqui estão algumas possibilidades:
Muitos estudantes internacionais tiveram dificuldades para obter vistos de estudante este ano. No final de maio, o Departamento de Estado suspendeu as entrevistas para vistos de estudante por três semanas, durante o período de pico de emissão desses vistos. Quando as entrevistas foram retomadas, houve espera de meses para garantir uma entrevista em alguns consulados. Como resultado, alguns estudantes podem não ter conseguido obter o visto a tempo para o semestre de outono.
Ainda não está claro quantos vistos de estudante foram emitidos durante o verão, já que o Departamento de Estado divulga esses dados com defasagem. Mas os dados de maio mostram uma queda de 22% nas emissões de vistos de estudante F-1 (o tipo mais comum), em comparação com maio do ano anterior.
2. Proibições de viagens
Em junho, o Departamento de Estado também instituiu uma proibição de viagens ou restrições de visto para cidadãos de 19 países, o que limitou ainda mais as viagens de estudantes.
O Irã é um dos países com proibição de viagens. Os dados de viagens mostram que o número de estudantes iranianos que chegaram ao país caiu 86% em agosto — a maior queda para qualquer país nos dados deste ano.
Dados do Sistema de Informação para Estudantes e Visitantes de Intercâmbio (Sevis) mostraram que o pico de matrículas de estudantes internacionais de países com proibição de viagens foi quase 70% menor em 2025.
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Com a abordagem do governo Trump à imigração, alguns estudantes estrangeiros podem ver os EUA como uma opção menos acolhedora ou confiável para estudar.
Em março, por exemplo, o governo começou a deter e tentar deportar estudantes internacionais, em uma repressão ao ativismo pró-palestino. (Em uma decisão recente , um tribunal federal disse que o governo Trump agiu inconstitucionalmente ao tentar deportar estudantes estrangeiros por sua defesa dos direitos palestinos.)
Em abril, o Departamento de Estado cancelou abruptamente mais de 1.500 vistos de estudante e, posteriormente, restaurou seu status legal . Em maio, o mesmo órgão afirmou que “revogaria agressivamente os vistos de estudantes chineses”. Em junho, instruiu os requerentes de visto de estudante a tornarem seus perfis de mídia social públicos para “uma verificação abrangente e completa”.
Tudo isso pode ter levado alguns estudantes a optarem por estudar em países com menos restrições. Uma pesquisa do Instituto de Educação Internacional constatou que atrasos no visto, dificuldades para entrar nos EUA e a possibilidade de revogação do visto estão entre os principais motivos pelos quais as universidades americanas esperam uma queda na matrícula de estudantes internacionais.
— O problema não é que os estudantes perderam a confiança na qualidade da educação nos EUA. Eles perderam a confiança no comprometimento da nossa administração com os estudantes internacionais — afirmou Fanta Aw , CEO da Associação de Educadores Internacionais, uma organização sem fins lucrativos dedicada à educação internacional.
4. Menos viagens em geral
Algumas faculdades aconselharam seus alunos internacionais atualmente matriculados a evitar viagens internacionais , como voltar para casa durante o verão, alertando que eles podem não conseguir retornar aos EUA.
Os dados disponíveis até o momento combinam a chegada de novos estudantes e de estudantes já matriculados. Portanto, um declínio pode, em parte, refletir a relutância dos estudantes internacionais em viajar para o exterior durante o verão. Por enquanto, esses fatores não podem ser separados até que mais dados cheguem.
Mas a mistura de problemas para estudantes internacionais levou ao que a professora Aw chama de “uma tempestade perfeita”. Sua organização projetou uma queda de 30 a 40 por cento nas matrículas de novos estudantes internacionais neste outono, com um custo de quase US$ 7 bilhões (cerca de R$ 37 bilhões) para a economia.
— O impacto disso será sentido a longo prazo — disse ela.
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Quais faculdades podem ser afetadas?
As faculdades que podem ser mais afetadas pelo declínio de estudantes internacionais geralmente não são as mais seletivas, mas aquelas que são mais dependentes desses estudantes, disse Dick Startz , professor de economia que analisa tendências no ensino superior .
Aqui estão três tipos de faculdades que podem ser as mais afetadas:
1. Programas de pós-graduação em STEM
A maioria dos estudantes internacionais nos EUA está matriculada em escolas de pós-graduação, e mais de 80% deles estudam STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática).
Uma análise do New York Times de dados recentemente divulgados pelo Departamento de Educação revelou que mais de 220 programas de mestrado presenciais de médio ou grande porte apresentam estrangeiros como a maioria dos formandos. Em 55 desses programas, todos em áreas STEM ou jurídicas, mais de 95% eram internacionais.
Os programas de mestrado tiveram o maior crescimento de estudantes internacionais nos últimos cinco anos e também apresentaram o maior declínio em seu crescimento este ano, de acordo com dados do Sevis . Na Universidade de Central Missouri, que formou mais de 1.500 estudantes internacionais de mestrado em 2024, a Associated Press relatou que a matrícula de novos estudantes estrangeiros caiu pela metade.
Muitos assistentes de ensino e pesquisadores em laboratórios de graduação e programas STEM também são estudantes de fora dos EUA, e uma queda sustentada de estudantes internacionais pode dificultar a operação de alguns desses programas.
2. Escolas de artes menores e faculdades cristãs
As faculdades de graduação com as maiores proporções de estudantes internacionais são escolas de arte e design desproporcionalmente pequenas, conservatórios musicais e faculdades cristãs.
Uma análise da agência de classificação de crédito Moody’s apontou que alguns desses programas de especialização menores correm maior risco de insolvência se o número de estudantes internacionais diminuir significativamente. O Inside Higher Ed relatou sinais de redução nas matrículas de estrangeiros em algumas dessas faculdades.
A Niagara, uma universidade católica particular no oeste de Nova York, relatou uma queda de 45% no número de alunos de fora dos Estados Unidos e do Canadá neste outono. A DePaul, uma universidade católica privada em Chicago, relatou um declínio de 62% na matrícula de novos estudantes internacionais de pós-graduação, devido a dificuldades com vistos e um “declínio no desejo de estudantes internacionais de estudar nos EUA”. Em uma carta ao corpo docente e funcionários , o presidente da universidade disse que se espera cortes salariais, demissões e congelamento de contratações, conforme relatado pela Reuters.
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3. Universidades estaduais emblemáticas
Em muitas universidades públicas, os estudantes internacionais pagam mensalidades consideravelmente mais altas do que os cidadãos americanos. Uma queda nas matrículas internacionais pode representar um fardo financeiro para essas instituições, bem como para as economias locais que se beneficiam da presença dos estudantes.
Por exemplo, a Universidade Estadual de Ohio informou em setembro que sua matrícula de novos estudantes internacionais caiu em 314 alunos, ou quase 38%. Na Universidade de Indiana, a matrícula de novos estudantes estrangeiros caiu em 443 alunos, ou 30%, em todos os seus campi.
Especialistas dizem que uma queda sustentada no número de estudantes internacionais pode diminuir a competitividade americana em ciências e engenharia. Quase três quartos dos estudantes internacionais que realizam um doutorado em ciências e engenharia permanecem e trabalham no país após a conclusão, e mais de 40% de todos os cientistas e engenheiros com doutorado nos EUA nasceram fora do país. A taxa de US$ 100 mil (cerca de R$ 535 mil) recentemente instituída para vistos de trabalho H-1B — concedido a profissionais qualificados — provavelmente reduzirá ainda mais o fluxo de trabalhadores em áreas como STEM.
Os dados até o momento oferecem um indicador inicial das tendências na matrícula de estudantes internacionais, mas não representam o panorama completo. Nos próximos meses, os dados de matrículas de faculdades e o número de vistos emitidos durante o verão devem permitir uma melhor compreensão dessas tendências.