A capa da edição inaugural do GLOBO, publicada em 29 de julho de 1925, destacava, entre outras notícias, um “formidável buraco” aberto na Rua Vinte e Quatro de Maio, no Engenho Novo, Zona Norte do Rio. O texto, no estilo da época, dava a dimensão do problema: “Caminhão desatento que ali passasse, automóvel que tivesse um cochilo de direção, catrapuz! — lá trambolhava para dentro do buraco insaciável que engolia tudo, carro, chauffeurs, passageiros, gasolina e até os cavalos!”. Além de fazer a denúncia, a matéria avisava que a cratera tinha sido provisoriamente tapada por iniciativa do próprio jornal. O compromisso com o leitor e a vocação para a prestação de serviços são características que acompanham o GLOBO até hoje. Cem anos depois, o problema persiste, mas novas ferramentas ajudam a combatê-lo: o alcance das redes sociais permite, por exemplo, a apresentação, em curto espaço de tempo, de um levantamento dos buracos da cidade feito a partir do relato dos leitores.

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Três postagens no Instagram do GLOBO renderam quase 300 comentários. A Ilha do Governador foi um dos bairros que concentraram reclamações. O subprefeito da região chegou a responder a usuários, comunicando providências tomadas. No dia seguinte, em ronda pela região, a reportagem não localizou os buracos antes sinalizados.

Primeira edição do GLOBO, de 29 de julho de 1925, estampava na capa ‘S.M. o rei dos buracos foi tapado provisoriamente’ — Foto: Acervo O GLOBO

— Todo motorista tem prejuízo com buraco na rua, mesmo que não seja imediato. O asfalto na Ilha é muito ruim, são ondulações de obras mal terminadas, a concessionária faz reparo sem nivelar, sem acabamento. O carro trepida muito — conta o leitor Alexander Soares, que é motorista de aplicativo e mora no bairro.

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Assunto há cem anos, a Rua Vinte e Quatro de Maio exibe asfalto novo. A buraqueira, pelo menos naquele ponto, ficou no passado. No entanto, nas ruas internas das redondezas, o conforto do asfalto lisinho ainda não chegou. A maior parte dos bueiros tem tampas profundas, desniveladas, transtorno certo para o motorista que não desviar a tempo.

— Quando a gente quer testar o carro, a gente vai lá para cima. Sacode tudo, e aí a gente já sabe se está bom ou ruim. As ruas principais estão boas, porque há manutenção; as de dentro não — afirma Rodrigo Oliveira, dono de uma oficina mecânica no Engenho Novo.

Rua Antonio Bandeira, Campo Grande. Moradores denunciaram a buraqueira em diversas ruas do sub bairro Adriana, que sofre em períodos de chuva. — Foto: Foto da leitora Fernanda Ferrari
Rua Antonio Bandeira, Campo Grande. Moradores denunciaram a buraqueira em diversas ruas do sub bairro Adriana, que sofre em períodos de chuva. — Foto: Foto da leitora Fernanda Ferrari

Na primeira edição do GLOBO, o mau estado da principal rua do bairro na Zona Norte inspirou a matéria sobre “Sua Majestade, o Rei dos Buracos”. Na disputa pelo título, hoje, a Zona Oeste tem representante de peso: o sub-bairro Adriana, em Campo Grande, ostenta pelo menos dez ruas marcadas por buracos de todos os tamanhos. Leitora e moradora da região, a professora Fernanda Ferrari, de 50 anos, aproveitou as postagens no Instagram do jornal e mobilizou vizinhos no grupo de WhatsApp para listar os problemas. A buraqueira rolou solta nas fotos enviadas.

— Tem buraco pelo bairro todo. Um carro já ficou com a roda presa. Ficamos muito chateados, parece que esqueceram a população daqui. Também pagamos IPTU. Na época das eleições, vem um monte de políticos pedindo voto, depois some todo mundo — desabafa ela.

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De janeiro até o dia 2 de julho, houve 29.213 solicitações de reparo de buraco, deformação ou afundamento de pista, feitas na Central de Atendimento 1746, da Prefeitura do Rio. A maioria é na Zona Oeste, seguida pela Zona Norte. Na Vila Kennedy, depois de meses de solicitações e reclamações, moradores relataram que, “de repente”, os buracos na rua amanheceram tapados na última quinta-feira, dois dias depois da primeira publicação do GLOBO no Instagram.

Alguns cidadãos deram um jeito de lidar com o problema por conta própria. Na Tijuca, Carlos Eduardo Menezes ficou conhecido por sinalizar cerca de 1.600 buracos do bairro, circulando-os com tinta. Ele percorria as ruas de madrugada, mas parou no fim do ano passado por causa de um problema de coluna.

Rua Mariz e Barros com São Francisco Xavier, na Tijuca. Bueiros desnivelados oferecem risco a motociclistas — Foto: Camila Araujo
Rua Mariz e Barros com São Francisco Xavier, na Tijuca. Bueiros desnivelados oferecem risco a motociclistas — Foto: Camila Araujo

— Os piores pontos são indo para a Usina, a partir da Rua Conde de Bonfim, a Rua Garibaldi, a Rua Dona Delfina e a Rua General Roca. A Rua Homem de Melo, que tem IPTU altíssimo, também está cheia de desníveis. É um caos. A concessionária faz o que quer, não tampa direito os bueiros, o carro passa e o barulho ecoa de madrugada — denuncia Carlos Eduardo.

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Rua Leopoldina Rêgo, lado par, entre o número 662 e 700, teria recebido 'Asfalto Liso' no ano passado, mas desníveis são evidentes — Foto: Foto do leitor Hugo Costa
Rua Leopoldina Rêgo, lado par, entre o número 662 e 700, teria recebido ‘Asfalto Liso’ no ano passado, mas desníveis são evidentes — Foto: Foto do leitor Hugo Costa

O geógrafo Hugo Costa, de Olaria, é outro leitor que se dedica a fiscalizar pessoalmente as ruas do bairro. Ele observa que, no ano passado, a Rua Leopoldina Rêgo recebeu a operação Asfalto Liso, mas, em foto feita anteontem, enviada pelas redes do GLOBO, o que se vê é o piso irregular.

— Definitivamente, é um tapa na cara do cidadão dizer que a rua recebeu Asfalto Liso. O Rio de Janeiro de verdade é bem diferente da Cidade Maravilhosa. As ruas dos bairros da Leopoldina estão muito ruins. Meu carro deu muito prejuízo por causa da má qualidade do asfalto — afirma Hugo que anteontem fotografou outras vias de Olaria.

Estrada Engenho da Pedra, em Olaria, na Zona Norte: em maio, a prefeitura anunciou ter concluído obras do programa Bairro Maravilha, mas a foto do leitor, feita anteontem, mostra outra realidade — Foto: Foto do leitor Hugo Costa
Estrada Engenho da Pedra, em Olaria, na Zona Norte: em maio, a prefeitura anunciou ter concluído obras do programa Bairro Maravilha, mas a foto do leitor, feita anteontem, mostra outra realidade — Foto: Foto do leitor Hugo Costa

As áreas de Planejamento 1 (Centro), 2 (Zona Sul e Tijuca) e 4 (Barra e Jacarepaguá) foram as mais beneficiadas pelo Asfalto Liso, com até 16% das ruas renovadas. Já nas zonas Norte (AP3) e Oeste (AP 5), a renovação ficou em 6% e 5%, abaixo da média da cidade, de 8%

— As regiões mais nobres da cidade recebem mais atenção no asfalto de suas ruas que as regiões mais pobres. Não adianta tapar um buraco e criar um calombo, sem deixar nivelado, vai criando um quebra-molas — alerta Hugo Costa.

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O engenheiro Pedro Celestino, ex-presidente do Clube de Engenharia do Rio, observa que é preciso investir em planejamento de conservação sistemático.

— O pavimento é um revestimento de tudo que está por baixo. Se não for bem dimensionado, vai abrir buraco. E tem vida útil de até cinco anos, se não recapear, vai degradar, como vem acontecendo nos bairros menos nobres — afirma Celestino.

A Secretaria municipal de Conservação e Serviços Públicos informa que realiza atendimentos com base nas demandas encaminhadas às cinco coordenadorias, que são divididas em 25 gerências responsáveis por regiões da cidade. “Reforçamos que as solicitações registradas pela Central de Atendimento 1746 têm prioridade no cronograma de execução”, diz, em nota.

Em nota, a concessionária Águas do Rio informou que vai enviar uma equipe à Rua São Francisco Xavier, e esclareceu que realiza, periodicamente, vistorias e manutenções em sua rede, com foco na segurança e na qualidade dos serviços. A empresa solicitou outros endereços para verificar se os problemas têm relação com os serviços prestados e reforçou que está à disposição da população pelo 0800 195 0 195, que funciona para ligações e mensagens de WhatsApp.

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