Um vídeo do presidente da França, Emmanuel Macron, andando sozinho à beira do Rio Sena na manhã de segunda-feira, após ficar sabendo da demissão do seu quinto primeiro-ministro em menos de dois anos, viralizou rapidamente nas redes sociais. A imagem do passeio melancólico imprimiu no imaginário francês o símbolo perfeito do momento pelo qual o país passa: Macron está sozinho. A pergunta que os franceses começaram a se fazer imediatamente é se ele será o próximo na fila dos que cairão.
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A decisão de deixar a Presidência cabe apenas ao presidente, segundo o pesquisador Luc Rouban, do centro de pesquisas políticas da Sciences Po. Só em casos mais complexos, como de traição nacional, a Assembleia Nacional e o Senado poderiam juntar dois terços dos votos para destituí-lo. Rouban acredita que o próprio presidente não tomará essa decisão, mas pode eventualmente convocar novas eleições, o que, em sua avaliação, aumentaria o poder da extrema direita na França.
— A demissão de Macron é uma demanda dos partidos mais radicais, à esquerda, a França Insubmissa, e à direita, o Reunião Nacional. Nada nos leva a acreditar que Macron vá pedir demissão. Ele repetiu frequentemente que pretende terminar o mandato. E que, se for para acontecerem mudanças, seriam no nível do primeiro-ministro e da Assembleia Nacional. Então é possível [que Macron caia], mas pouco provável.
Com a demissão de Sébastian Lecornu pondo um fim ao governo mais efêmero da história da 5ª República, Macron se viu novamente sem premier apenas 27 dias depois de ter nomeado o aliado. No fim da noite de quarta-feira, 7 de outubro, o Palácio do Eliseu anunciou que o presidente anunciaria seu novo premier nas próximas 48 horas, ou seja, até o fim de hoje.
Nas redes, franceses fazem piada. Um vídeo postado por um comediante mostra um homem vestindo uma máscara com a cara do presidente pedindo esmola no metrô — a esmola, no caso, é alguém que aceite ser seu premier. Uma página de paródias de notícias estampava a “manchete” com 165 mil curtidas: “Emmanuel Macron vai esconder cinco bilhetes premiados que vão permitir a um francês se tornar primeiro-ministro.”
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Nos tradicionais quiosques de jornais e revistas em Paris, a capa do progressista Libération estampa em letras garrafais a palavra: “nu”, com a figura de Macron ao centro: “O presidente nunca esteve tão isolado”.
Lecornu pediu demissão apenas 14 horas após ter apresentado os nomes que fariam parte de seu Gabinete —uma lista que, quando divulgada, gerou controvérsias internas que levaram à sua admissão de que seria impossível governar.
O principal tema que preocupal a França hoje é a economia. Os governantes não conseguem chegar a um acordo sobre como equilibrar o Orçamento. A França, segunda maior economia da zona do euro, é a terceira com a maior dívida, atrás apenas de Grécia e Itália.
Depois da reforma das aposentadorias passada sem aprovação pública, ministro após ministro tentam encontrar uma fórmula para fechar as contas mesmo sem nenhum grupo político ter maioria clara na Assembleia. Nomeado no fim do ano passado, François Bayrou havia proposto cortar gastos sociais. Caiu em 9 de setembro, quando perdeu o voto de confiança dos parlamentares. No mesmo dia, foi substituído por Lecornu, que caiu na segunda-feira.

Macron é flagrado andando sozinho às margens do Sena
De um lado, a direita pede que o equilíbrio seja feito com cortes. De outro, a esquerda quer o aumento de impostos, entre eles o imposto sobre os ultrarricos— a chamada “taxa Zucman” — além de exigir que a reforma da previdência imposta em 2023 seja revista.
— Com a crise da Covid, as respostas trazidas no plano econômico sustentaram a economia de maneira muito forte — explica Corine Lemariey, vice-presidente da Metrópole de Grenoble, um conglomerado de 49 comunas, que critica a solução proposta até agora de taxar os trabalhadores. — Em seguida, nos demos conta de que estávamos em uma situação de dívida, e hoje esse é o principal tema. A dívida na França é importante por causa dos limites que a União Europeia exige. A taxa Zucman atingiria muitas poucas pessoas, apenas as com patrimônio maior que € 100 milhões.
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A decisão de Macron de dissolver a Assembleia Nacional em 2024 contribuiu para a crise, acredita Rouban, assim como para causar fraturas na aliança de esquerda Nova Frente Popular, a radicalização da direita e a ideia dentro do macronismo de que seria possível governar a partir do centro se aliando com a direita e com a esquerda e deixando de lado suas diferenças de valores.
As eleições de 2024 levaram a aliança de esquerda a formar o maior bloco na Assembleia, uma maioria relativa, mas não absoluta. Os apoiadores da esquerda acreditam que o natural teria sido o presidente nomear um premier de esquerda, o que não fez. Por isso, socialistas e comunistas pedem que o presidente o faça agora.
A extrema esquerda do França insubmissa vai além e pede que o próprio Macron saia, afirmando que ele não respeita a democracia. Durante os protestos que tomaram as ruas de Paris e outras cidades nas últimas semanas, manifestantes carregavam cartazes dizendo “Fora, Macron!”.
— Em 2024, votamos na Nova Frente Popular, eles foram eleitos, mas Macron não escutou esse voto e fez seu próprio governo de direita e fascista — critica o estudante Jalal Mouchoue.
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Encarregado por Macron de continuar as negociações por mais 48 horas após a demissão, Lecornu informou ao presidente que a maioria dos deputados é contra a dissolução da Assembleia e que é possível encontrar um caminho para o Orçamento até o fim do ano — o que levou o Eliseu a concordar com a nomeação de um sexto premier em menos de dois anos.
Essa decisão evita novas eleições. Pesquisas apontam que o resultado delas seria favorável à extrema direita, com recuo dos partidos do centro macronista e da esquerda e manutenção da direita no mesmo patamar.
— A maior probabilidade é que o Reunião Nacional teria uma maioridade relativa. Aí precisaria fazer alianças com outras forças de direita, como na Itália com Giorgia Meloni.
Nesse caso, a democracia estaria em perigo, acredita Corine Lemariey.
— A demissão do presidente seria uma verdadeira catástrofe, porque, dado o estado de forças atual, temo que levaríamos a extrema direita ao poder — afirma. — Uma vez que a extrema direita chega ao poder, é muito difícil fazê-la partir.