O chichá de 200 anos já não há mais: tombou este mês no Largo do Arouche, durante um temporal que foi marcado por galhos e árvores derrubadas. Mas embora tenha perdido sua terceira árvore mais antiga, a cidade de São Paulo ainda tem ao menos 15 espécimes centenárias. São gigantes verdes que têm de resistir a maus-tratos como despejos de lixo, uma corrente amarrada no tronco e casais de moradores em situação de rua que as usam como proteção para atos sexuais.

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A Figueira das Lágrimas, a mais antiga da cidade, segundo um relatório publicado em 2012 pela Fundação SOS Mata Atlântica, está há mais de dois séculos em um terreno na Estrada das Lágrimas, no Sacomã, na Zona Sul. Já existia quando Dom Pedro I proclamou a Independência do Brasil no bairro vizinho, o Ipiranga, em 1822.

— Em 1860, o português Emilio Zaluar escreveu que a figueira era uma árvore enorme. Ela deve ter nascido ao menos 80 anos antes, por volta de 1780. Como fica na beira da estrada que ia de Santos ao sítio da Independência, ela “viu” Dom Pedro passar — diz Ricardo Cardim, botânico e paisagista responsável pelo relatório da SOS Mata Atlântica.

Iara Rodrigues com a Figueira das Lágrimas: árvore sobreviveu ao lixo e a pessoas em situação de rua — Foto: Maria Isabel Oliveira

Há décadas, a figueira é cuidada por uma moradora da região, Yara Rodrigues, de 71 anos. A aposentada conta que, antes de o terreno ser fechado pela prefeitura, a árvore servia como local de descarte de lixo e virava até “motel” para pessoas em situação de rua.

— Tinha virado também um banheiro público, ninguém aguentava — diz Yara.

Registros apontam que, no século XIX, a figueira era um ponto de encontro de quem deixava a cidade rumo ao Porto de Santos. As despedidas tristonhas que estariam na origem do nome da árvore e da estrada.

Outra figueira centenária fica no Largo da Memória, perto do Anhangabaú. A Figueira dos Piques brotou em um muro. No tronco, há pedaços de uma corrente colocada pela própria prefeitura, nos anos 1980. Há um machucado na árvore.

— Isso sugere que está ficando oca por conta de podas ruins — diz Cardim.

Figueira no Largo da Memória — Foto: Maria Isabel Oliveira
Figueira no Largo da Memória — Foto: Maria Isabel Oliveira

A prefeitura diz que a figueira passou por uma tomografia e a madeira está firme.

Em frente à Biblioteca Mário de Andrade, na República, há uma paineira de mais de 150 anos. É remanescente da chácara do bispo de São Paulo, Dom Antônio Joaquim de Melo, no século XIX. Outras duas estão em parques: um jatobá na Luz, ao lado da Pinacoteca, e um jequitibá-branco no Trianon, na Avenida Paulista. Ambos se tornaram pontos de visita. Há um jardim de orquídeas na copa do jequitibá-branco “desde quando tudo era floresta”, diz Cardim. O jatobá do século XIX é o remanescente de um tempo em que os povos indígenas navegavam pelos rios com canoas feitas com cascas da árvore.

(*estagiária sob orientação de Pedro Carvalho)

Sobreviventes da urbanização, árvores mais antigas de SP são amarradas por correntes e já serviram até de ‘motel’