Enquanto os Correios não fizerem uma reestruturação, a saída de curto prazo será o Tesouro Nacional arcar com os prejuízos, acomodando nas contas públicas um rombo maior das empresas estatais, afirmam especialistas ouvidos pelo GLOBO. O problema é que, sem a reestruturação, os prejuízos tendem a ser recorrentes, tornando-se mais um peso sobre as contas públicas, já pressionadas e desequilibradas por gastos crescentes.
— O grande risco é dar o socorro, empurrar com a barriga, e estar na mesma situação daqui a um ano, um ano e meio — afirma Armando Castelar, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembrando que há eleições em 2026.
Por isso, diz, qualquer aporte de recursos dos cofres públicos deveria ser “amarrado” com uma reestruturação:
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— Isso vai impactar as contas públicas. No fundo, o resultado já está lá, e o governo vai ter que segurar outras coisas, deveria abrir a mão de outros gastos, não aumentar o déficit (das contas públicas). Já temos uma dinâmica fiscal muito difícil e complicada.
Para o consultor Raul Velloso, especialista em contas públicas, dificilmente a saída de curto prazo será diferente de um socorro por parte do Tesouro. Do contrário, os Correios deixariam dívidas com os fornecedores e atrasariam salários e aposentadorias de servidores inativos.
— Imagina o caos que seria? O Lula não vai dar calote em funcionário público — afirma Velloso.
Para piorar, ressalta o consultor, os prejuízos de estatais como os Correios se somam a um desequilíbrio estrutural nas contas públicas, marcado pelo envelhecimento da população, que impõe aumento de gastos com a Previdência.
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Há décadas, para lidar com esse desequilíbrio no curto prazo, os governos cortam recorrentemente os investimentos públicos em infraestrutura, necessários para impulsionar a economia, completa Velloso. O resultado, diz, é que o país fica preso na “armadilha do baixo crescimento”:
— Diante do dilema sobre como fazer o ajuste, o crescimento do PIB desaba. Isso é que o mais importante. O preço a ser pago, em última instância, será pago pela taxa de crescimento econômico.
Castelar, da FGV, defende a privatização como melhor saída. Outros países adotaram esse caminho para os serviços postais, e as empresas estatais, diante das burocracias típicas de seu formato de gestão, terão cada vez mais dificuldade em lidar com as mudanças tecnológicas e de mercado da área, ressalta.
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O governo Jair Bolsonaro tentou privatizar os Correios, mas o processo foi abortado com a volta do PT ao Palácio do Planalto, em 2023. Os estudos começaram em 2019. Em 2021, os Correios foram incluídos no Programa Nacional de Desestatização (PND).
Um projeto de privatização chegou a ser desenhado pelo BNDES, que trabalhou no projeto de privatização até 2022. O plano era tornar a estatal uma empresa de entregas expressas, como as multinacionais FedEx e DHL, mas também com as empresas de comércio eletrônico e toda a cadeia de transportadoras que prestam serviços a elas.
Para viabilizar a prestação dos serviços postais essenciais — entrega de correspondências e encomendas não urgentes —, seria criado um marco legal para sua concessão. A empresa que comprasse o controle dos Correios assumiria automaticamente essa concessão.
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A lógica econômica era que, para adquirir por um valor vantajoso, definido em leilão, a infraestrutura física dos Correios, como centros de distribuição, maquinário, rede de lojas franqueadas etc., o operador privado toparia arcar com os serviços postais. Ao longo da concessão, os lucros com as entregas de comércio eletrônico compensariam a atividade menos lucrativa.
Em 2022, com a aproximação do calendário eleitoral, a tramitação do projeto de lei que criaria o marco legal para a concessão dos serviços postais enfrentaria problemas. O texto, que chegou a ser aprovado na Câmara, acabaria abandonado de vez no Senado.
Com a volta do PT ao Palácio do Planalto, o projeto de privatização seria sepultado de vez. Um dos primeiros atos do terceiro governo Lula seria retirar os Correios do PND, conforme despacho publicado em 2 de janeiro de 2023.
O BNDES, sob comando de Aloizio Mercadante desde então, adaptaria seu papel nas privatizações. Em vez de estruturação de estatais para venda, o banco de fomento passou a se concentrar apenas no desenho dos projetos de concessões de infraestrutura.
Questionado, em meados de novembro, se o BNDES participa das discussões atuais para estancar a crise dos Correios, Mercadante negou. Segundo ele, o banco não trabalha em eventual projeto de desestatização nem está estudando conceder crédito à estatal, mesmo que haja aval do Tesouro.

