Os drones já fazem parte do nosso cotidiano e movimentam um mercado global que deve chegar a US$ 57,8 bilhões até 2030, segundo o Relatório do Mercado de Drones. Embora ganhem destaque por seu uso em conflitos armados, sua versatilidade e capacidade de alcançar áreas remotas ampliaram o emprego nos setores ambiental, agrícola, logístico e de comunicações.
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Projetos recentes utilizam drones para monitorar incêndios, acompanhar a degradação de recifes de corais, fiscalizar o descarte irregular de lixo e estudar populações de animais. No campo, ajudam a detectar pragas, dispersar sementes e acompanhar lavouras. Também têm sido aplicados em entregas logísticas, tanto em áreas urbanas quanto rurais, e como antenas móveis em locais sem infraestrutura adequada de comunicação.
O consumo de energia, porém, é um desafio. Voar exige muita energia, e parte dela se perde em calor e vibração. Para reduzir o esforço dos motores, as baterias precisam ser leves, mas isso limita sua capacidade de armazenamento. O resultado são recargas frequentes e impacto ambiental com o descarte de baterias.
A energia solar tem sido a alternativa mais usada para contornar essas questões, mas adiciona peso e encarece os equipamentos. Portanto, tornar os drones mais autossuficientes exige ampliar a capacidade das baterias de forma sustentável e acessível.
Nesse contexto, o Programa de Pós-Graduação em Metrologia (PósMQI), da PUC-Rio, está desenvolvendo uma solução inovadora, baseada em gerar eletricidade a partir do vento e das vibrações geradas pelas hélices.
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A pesquisa conta com a colaboração de alunos dos departamentos de Engenharia Elétrica (DEE), Ricardo Leal Pereira, e de Engenharia Química e de Materiais (DEQM), Laís dos Santos Gonçalves, Rafael Salomão Tyszler e Maria Clara Morais. Publicamos recentemente na revista Energies os primeiros resultados, que usam a tecnologia de “colheita de energia” (do inglês ‘energy harvesting’).
Alguns materiais, chamados de piezoelétricos, têm uma característica especial: ao serem pressionados, produzem eletricidade; e, quando submetidos a uma tensão elétrica, sofrem pequenas deformações (este é o princípio de funcionamento de alguns alto-falantes, por exemplo). Esse efeito ocorre porque suas cargas internas, normalmente equilibradas, se deslocam levemente quando o material é pressionado. Esse rearranjo nos permite converter energia mecânica em energia elétrica utilizável.
Cristais como o quartzo e cerâmicas à base de perovskita estão entre os materiais mais eficientes nessa conversão. Porém, eles costumam ser tóxicos (alguns contêm chumbo), pesados, rígidos, frágeis e de fabricação complexa, o que encarece sua produção. Além disso, mesmo com bom desempenho teórico, na prática esses materiais precisam de camadas extras de suporte, o que reduz sua eficiência final na geração de energia.
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Em nossos estudos, buscamos desenvolver e aprimorar sistemas com fluoreto de polivinilideno (PVDF), um polímero plástico atóxico, barato, leve, flexível e resistente, já usado em tubulações e materiais isolantes. Produzido em filmes finos ou placas, ele pode ser facilmente integrado a estruturas móveis, como os braços de drones.
Existem diferentes configurações de drones. Os de asa fixa (semelhantes a aviões) e os de asas batentes (inspirados em aves e insetos) voam em velocidades mais altas, o que facilita a integração de dispositivos piezoelétricos para aproveitar o fluxo de ar e as vibrações estruturais. No entanto, eles já possuem maior autonomia e alcançam longas distâncias, com ajuda da aerodinâmica, não sendo muito práticos para a maioria das aplicações tecnológicas que descrevemos aqui.
A principal lacuna está nos drones multirrotores — tricópteros, quadricópteros ou hexacópteros. Eles são mais estáveis, capazes de decolar verticalmente, pairar no ar e manobrar com precisão. Essas vantagens tornam os multirrotores ideais para monitoramento, mapeamento e inspeções. Mas sua autonomia é limitada. Dependem exclusivamente das hélices para gerar sustentação e, por voarem em velocidades mais baixas, consomem mais energia e produzem menos vento e vibrações.
Para enfrentar esse desafio, instalamos três transdutores de PVDF nos braços de drones multirrotores. Conectados em série e ligados a um circuito integrado de gerenciamento de energia, esses módulos foram capazes de aumentar linearmente a potência coletada, mesmo em voos lentos, a cerca de 7,5 metros por segundo. Esse arranjo abre a possibilidade de alimentar sensores que exigem mais energia.
Em nossos experimentos, financiados pela FAPERJ, CNPq e CAPES, os transdutores geraram resultados promissores. Com o motor operado a 3975 rotações por minuto, o sistema produziu até 17,3 volts, o suficiente para carregar de forma eficiente um capacitor de 3,6 volts em 162 segundos.
É verdade que a potência obtida ainda é modesta, cerca de 4 microwatts em condições realistas de voo. Embora não seja suficiente para substituir a bateria principal na propulsão, já permite alimentar sensores eletrônicos. Essa separação libera a bateria para funções críticas, contribuindo para aumentar a autonomia.
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Além disso, como o sistema é modular, nos permite escalar a potência adicionando mais transdutores – a um custo relativamente baixo, menos de 50 dólares para cada módulo. Nos próximos passos, também pretendemos avaliar o desempenho em ambientes externos, sujeitos a turbulência, variação de velocidade e diferentes condições climáticas.
Outros estudos e aplicações
Além dos drones, nossa equipe também desenvolve outras aplicações em colheita de energia. Um dos projetos em andamento é um dispositivo híbrido, que capta tanto a energia solar, quanto a do impacto de gotas de chuva – pela combinação de placas fotovoltaicas com camadas de PVDF.
O sistema está sendo implementado pela aluna Cristiane Guimarães, do Departamento de Informática da PUC-Rio, e visa ser aplicado em equipamentos de monitoramento ambiental em florestas tropicais úmidas. O objetivo é aproveitar as características locais para garantir um sensoriamento contínuo e autônomo, mesmo em regiões remotas.
Outro foco é aprofundar o estudo da composição molecular do PVDF e em formas de integrá-lo a kits multifuncionais que combinam diferentes fontes — solar, eletromagnética e térmica. Também investigamos circuitos eletrônicos mais eficientes para otimizar a coleta e amplificação do sinal gerado, um dos principais gargalos nessa área.
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Por fim, dedicamos atenção ao armazenamento da energia coletada. As baterias oferecem maior densidade energética, mas sofrem com limitações de durabilidade, impacto ambiental e sensibilidade a condições externas. Já os supercapacitores carregam mais rápido e duram mais, embora armazenem menos energia. A escolha entre eles depende das necessidades de cada aplicação e deve ser ajustada a cada projeto.
Assim, buscamos aprimorar o uso de polímeros como o PVDF para criar sistemas de colheita de energia mais leves, duráveis e de baixo custo, que possam ser integrados a diferentes dispositivos. Ao aproveitar fontes já disponíveis no ambiente — como vento, chuva e vibrações —, pretendemos reduzir a dependência de baterias e ampliar a autonomia de dispositivos eletrônicos, com impactos positivos tanto tecnológicos quanto ambientais.
*Carlos Roberto Hall Barbosa é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Metrologia (PósMQI), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)