Há poucas semanas, o conselheiro de Segurança Nacional de Donald Trump, Mike Waltz, um velho defensor de uma abordagem linha-dura contra o Irã, expôs em termos muito claros o objetivo do governo americano com as negociações sobre o programa nuclear de Teerã: “Desmantelamento total”. Waltz detalhou que o regime iraniano teria que abrir mão de instalações para enriquecimento atômico para energia, para “militarização” e até mesmo de seu programa de mísseis de longo alcance. Mas o que parecia um objetivo simples e firme, apresentado durante um programa de entrevistas dominical, começou a se desfazer. Autoridades emitiram mensagens contraditórias e confusas ao longo da semana, dando sinais de moderação — uma linguagem que minou a confiança dos negociadores iranianos às vésperas da nova rodada de negociações em Roma, neste sábado.
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A inconsistência na posição americana pode simplesmente refletir inexperiência em lidar com programas de armas nucleares. O principal negociador de Trump é Steve Witkoff, um amigo do presidente que, como um empreendedor nova-iorquino, passou a vida lidando com arranha-céus, mas só começou a investigar as centrífugas nucleares subterrâneas e os supostos laboratórios de armas do Irã há algumas semanas.
Mas o posicionamento errático também parece ter raízes nas divisões dentro da equipe de Segurança Nacional de Trump, enquanto ela tenta lidar mais uma vez com um dos problemas mais duradouros e difíceis da política externa americana: como impedir o programa nuclear do Irã sem entrar em guerra. O resultado tem sido uma enxurrada de mensagens confusas, sinais contraditórios e ameaças — não muito diferente da forma como Trump e seus assessores falam sobre sua estratégia tarifária, que vive mudando.
A questão veio à tona na noite de segunda-feira, quando Witkoff começou a falar sobre seu primeiro encontro com o ministro das Relações Exteriores do Irã, no último sábado, em Omã. O encontro correu bem, disse ele, mergulhando no complexo mundo do programa nuclear iraniano, que levou Teerã ao limiar da construção de uma arma nuclear. O negociador saiu desse encontro com a visão de um tipo de acordo muito diferente daquele que Waltz havia descrito.
Em uma entrevista amigável à Fox News, ele falou sobre construir um sistema de “verificação” para a produção de urânio enriquecido, e, eventualmente, uma verificação da militarização, que inclui mísseis, o tipo de mísseis no arsenal iraniano. Ele sugeriu que o Irã ainda poderia enriquecer urânio em níveis baixos — aqueles necessários para a produção de energia nuclear — e nunca mencionou a palavra “desmantelamento”.
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Em resumo, ele estava descrevendo uma versão revisada, presumivelmente mais trumpista, do acordo que o governo do ex-presidente Barack Obama firmou com o Irã há uma década — ridicularizado por Trump como um “desastre”, e do qual o republicano retirou os EUA unilateralmente em 2018.
— Em princípio, o acordo nuclear original pode ser aprimorado — disse ele.
Poucos anos depois, o Irã declarou que, se os EUA não cumprissem o antigo acordo, ele também não o faria. Começou a enriquecer urânio até quase o nível de produção de uma bomba, ficando a poucos dias ou semanas de ter o necessário para fabricar seis ou mais armas. As agências de inteligência americanas concluíram que pesquisadores iranianos estavam trabalhando em um meio “mais rápido e rudimentar” de transformar o urânio enriquecido em arma.
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A declaração de Witkoff não sobreviveu por muito tempo. Na manhã de terça-feira, Trump e seus principais funcionários de Segurança Nacional, incluindo Witkoff, estavam na Sala de Crise, debatendo a política para o Irã, em uma reunião noticiada pelo portal Axios. No meio da manhã, Witkoff postou uma mensagem nas redes sociais declarando que “o Irã deve interromper e eliminar seu programa de enriquecimento e armamento nuclear”, uma caracterização que ele não havia usado na noite anterior.
— Um acordo com o Irã só será concluído se for um acordo com Trump — disse ele.
Em uma coletiva de imprensa algumas horas depois, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, afirmou que Trump havia dito aos anfitriões de Omã sobre “a necessidade do Irã encerrar seu programa nuclear por meio de negociações.
Witkoff e o vice-presidente JD Vance argumentaram internamente que insistir no desmantelamento total condenaria as negociações, segundo autoridades familiarizadas com o debate em andamento que pediram anonimato para discutir discussões privadas. Os iranianos já declararam que não abrirão mão de todo o seu programa nuclear — e, portanto, da opção de correr atrás de uma bomba. Em vez disso, os dois argumentaram que o governo deveria buscar um sistema de verificação rigoroso — talvez administrado pelos Estados Unidos, em vez da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) — para garantir o cumprimento.
Waltz e o secretário de Estado Marco Rubio, segundo autoridades, defenderam a visão de que o Irã não pode manter sua capacidade de enriquecer combustível nuclear. Caso contrário, estará pronto para fazer o que fez nos últimos anos: aumentar o enriquecimento para níveis próximos aos de bombas.
— Acho que eliminar a capacidade do Irã é inatingível — disse Gary Samore, que abordou longamente a questão iraniana como a principal autoridade nuclear da Casa Branca nos governos Clinton e Obama. — Não acho que o Irã concordará em eliminar todo o programa, mesmo sob a ameaça de força militar.
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Os iranianos estão se protegendo. Em discurso na terça-feira no Irã, o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do país, disse a altos funcionários do governo que um acordo “pode ou não se concretizar”, acrescentando não estar “nem muito otimistas nem muito pessimistas”.
— É claro que estamos muito pessimistas em relação ao outro lado — continuou.
Na véspera do segundo encontro mediado por Omã, em Roma, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araqchi, afirmou que as autoridades do país mantém ‘sérias dúvidas’ sobre as intenções dos EUA nas conversas sobre o programa nuclear.
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— Embora tenhamos sérias dúvidas sobre as intenções e motivos da parte americana, participaremos, apesar de tudo, nas negociações de amanhã — disse Araqchi durante uma coletiva de imprensa em Moscou ao lado do chanceler russo, Sergey Lavrov. — Estamos plenamente dispostos a trabalhar em prol de uma resolução pacífica sobre o programa nuclear pacífico do Irã.
Não são apenas as divergências dentro do governo americano ou as visões conflitantes entre EUA e Irã que dificultam um acordo. Terceiros interessados também tem pressionado por uma saída que garanta a segurança regional.
O ministro da Defesa israelense, Israel Katz, afirmou nesta sexta-feira que o governo do Estado judeu tem um “plano de ação claro”, independente das negociações americanas — o plano israelense original previa uma ação militar para destruir completamente as instalações nucleares iranianas, com o próprio premier Benjamin Netanyahu defendendo a ideia publicamente, mas foi barrado por Trump.
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— O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e eu, em conjunto com os órgãos relevantes, estamos comprometidos em liderar um plano de ação claro para evitar que o Irã adquira armas nucleares — disse Katz na sexta.
Samore, que agora é diretor do Centro Crown para Estudos do Oriente Médio na Universidade Brandeis, disse que era a favor de qualquer acordo que “reiniciasse o relógio nuclear”.
— Todas as técnicas que as pessoas usaram até agora, sabotagem, sanções, diplomacia, foram todas para ganhar tempo. Não acho que Trump queira ir à guerra — disse ele. — E os iranianos não querem ir à guerra. Isso sugere que pode haver espaço para um acordo.
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Na quinta-feira, o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o argentino Rafael Grossi, alertou que o tempo para um acordo está se esgotando, e que Teerã não está longe da bomba atômica — segundo o último relatório da agência, o Irã dispõe de urânio enriquecido a 60%, próximo dos 90% necessários para a fabricação de armamento nuclear.
— Estamos em uma fase crucial destas negociações importantes. Sabemos que temos pouco tempo, por isso estou aqui para facilitar este processo — afirmou Grossi em entrevista coletiva em Teerã, ao lado do chefe da Agência iraniana de Energia Atômica, Mohamad Eslami.

