Era uma sexta-feira de manhã quando o então secretário estadual de Segurança Pública do Rio, Nilton Cerqueira, anunciou, em cerimônia no Quartel General da PM, que o governador Marcelo Allencar tinha criado uma gratificação por mérito para policiais civis e militares, estabelecida por meio de um decreto publicado no Diário Oficial da véspera. Naquele 10 de novembro de 1995, o general da reserva disse que os agentes que se destacassem receberiam premiação de 50% até 150% de seus salários.
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Em pouco tempo, a premiação levaria a uma explosão no número de óbitos durante ações policiais no Estado do Rio. Conhecida como “gratificação faroeste”, a política foi interrompida em 1998, mas, nesta terça-feira, os deputados da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) ressuscitaram a medida.
As consequências da premiação para PMs ficaram evidentes no dia 21 de outubro de 1997, quando o Jornal O GLOBO publicou uma reportagem intitulada “Deputados põem PM sob suspeita”. De acordo com um relatório do Instituto Superior de Estudos Religiosos (Iser) realizado a pedido da Comissão de Segurança da Alerj, nos 15 primeiros meses em que esteve em vigor, a “gratificação faroeste” fez subir de 16 para 32 a média mensal de mortes em ações policiais no município do Rio.
A pesquisa analisou mais de 400 mil documentos da Secretaria de Segurança no período. Destes, 934 foram selecionados por se tratarem de mortes durante ações policiais. Em 64% dos casos, ou 598 ocorrências, as pessoas mortas em operações da PM levaram pelo menos um tiro na cabeça ou pelas costas, indicando que pode não ter havido resistência, como constava dos registros policiais. “Essa lei estimula o policial a matar”, disse o deputado estadual Carlos Minc, então presidente da comissão.
O general Nilton Cerqueira não se pronunciou sobre a pesquisa, mas o coronel Milton Correia da Costa, assessor parlamentar da secretaria, defendeu a postura da PM: “Somos iguais a uma empresa privada. Quanto mais os policiais se destacarem no exercício da função, mais receberão. Essa história de dizer que não foram encontradas marcas de pólvora nas mãos dos mortos não significa nada”.
Meses antes da publicação do relatório, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) já tinha entrado como ação contra a “gratificação faroeste”. De acordo com a entidade, além de estimular violência, a medida quebrava a hierarquia da PM ao permitir que subordinados premiados passassem a ganhar mais do que seus superiores. Segundo a Secretaria de Segurança, entre novembro de 1995 e março de 1997, mais de 2,2 mil policiais já tinham sido beneficiados pela controversa gratificação.
A premiação por bravura foi extinta em 25 de junho de 1998 pela Alerj. Por 44 votos contra oito, os deputados derrubaram o veto do governador Marcello Alencar ao projeto de lei do deputado Carlos Minc que acabava com o polêmico benefício. Ao longo de seus dois anos e oito meses em vigor, a gratificação foi paga a 3.183 policiais militares, 1.032 policiais civis e 1.698 bombeiros-.