A flexibilização cambial adotada pelo governo de Javier Milei, que teve início na última segunda-feira, não deve tornar a Argentina novamente um destino mais “barato” para turistas brasileiros.
O fim dos controles no câmbio na Argentina, no entanto, podem ajudar a reduzir a complexidade causada pelas múltiplas cotações do dólar no país.
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A avaliação de analistas ouvidos pelo GLOBO é que, no curto prazo, ainda há o risco de uma volatilidade maior e ajustes no preço do câmbio no país, apesar da queda do peso na segunda-feira, em torno de 12%, ter ficado abaixo do tombo inicialmente projetado por analistas do mercado.
Na sexta-feira passada, depois de anunciar um acordo de US$ 20 bilhões com Fundo Monetário Internacional (FMI) que vai ajudar a ampliar as reservas do Banco Central argentino, o governo Milei informou que encerraria o chamado “cepo”, um sistema que impunha uma série de restrições para o câmbio, incluindo limites de compra da moeda pelos argentinos no mercado oficial.
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O novo regime acaba com a política anterior de um câmbio com preços artificialmente controlados, e institui o regime de câmbio flutuante. Os preços variam de acordo com o mercado, mas dentro de um intervalo de 1.000 a 1.400 pesos argentinos por dólar americano.
Caso a cotação fique fora desses limites, o Banco Central da República Argentina (BCRA) pode intervir com a compra ou venda de dólares. As bandas serão ajustadas em 1% ao mês.
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Além disso, o governo encerrou o limite mensal de US$ 200 para compra de dólares por pessoas físicas no câmbio oficial, uma das principais marcas do controle imposto em 2019 e que acabou por alimentar a demanda por dólar no mercado paralelo.
Em um relatório na segunda-feira, analistas do Bradesco BBI avaliaram como positivo o novo regime cambial e o pacote de medidas anunciado pelo governo argentino. A avaliação é que o cenário de curto prazo é de alívio nos riscos macroeconômicos no país. A sustentabilidade do modelo, no entanto, dependerá da capacidade do Banco Central de acumular reservas e controlar a inflação.
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Murilo Riccini, head Estratégia de Ações para a Região Andina e Argentina no Bradesco BBI, diz que o tamanho do pacote, maior do que o esperado pelos analistas, é bom sinal, que reduz “significativamente” a preocupação com a capacidade de reservas do banco central argentino.
Ele acrescenta que a expectativa inicial era de alta instabilidade nos primeiros dias da medida, mas que o efeito foi mais “suave” que o esperado:
— Na prática, a liberação da restrição cambial ocorreu de maneira mais suave que o esperado, com o cambio oficial subindo em cerca de 10% e o paralelo caindo 10%, resultando em uma quase unificação (dos valores) — diz Riccini.
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E para o brasileiro com viagem marcada para a Argentina, o que isso significa? Dado que o ajuste do câmbio oficial foi de apenas 10%, a Argentina “seguirá mais cara do que o Brasil em dólares”, avalia o analista.
Argentina seguirá ‘cara’
Eduardo Grübler, gestor da AMW (Asset Management Warren), concorda que uma Argentina “mais barata” para o brasileiro, como aconteceu em anos anteriores a 2024, está fora do radar. A valorização do peso e a recuperação relativa da economia tende a tornar o país mais caro diante do real desvalorizado, com o dólar frequentemente se aproximando de R$ 6 por aqui.
— Dificilmente a gente deve ver aquele movimento de três anos atrás em que o peso desvalorizou tanto que a relação tornava o país mais barato para o Brasil. Esse movimento não deve acontecer. A nossa visão é que foi um exagero, então não deve se repetir, não.
Além da forte desvalorização do peso frente ao real, Grübler explica que uma conjunção de fatores tornava a Argentina mais em conta para turistas brasileiros, inclusive subsídios que seguravam artificialmente os preços.
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— A gente tem que lembrar que as mudanças que Milei tem feito na Argentina fizeram com que a moeda ficasse mais estável em relação ao governo anterior. Sem discutir se são decisões corretas, o fato é que trouxeram uma certa valorização para o peso argentino — acrescenta Alexandre Viotto, chefe da mesa de câmbio da EQI Investimentos.
Viotto lembra ainda que o brasileiro tinha a impressão de que ir para a Argentina era vantajoso também porque o real estava mais valorizado. O efeito de um país “mais caro”, para ele, deve se manter nos próximos “meses ou até anos”, até que as duas economias estejam mais equilibradas.
Como fica a ‘confusão’ de câmbios
Elson Espinoza, diretor comercial da Soy Loco por ti América, operadora de turismo que atua com 10 mil agências no Brasil, avalia que a mudança no regime cambial tende a beneficiar o turista brasileiro pelo menos em um aspecto: ajuda a reduzir a “confusão” provocada pela existência de múltiplas cotações do dólar na Argentina, em razão do mercado paralelo:
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— O turista vai poder trocar seus dólares por pesos com mais clareza, sem precisar lidar com cinco ou seis tipos de câmbio diferentes — avalia ele, que também considera o novo regime poderá trazer menos burocracias na conversão da moeda.
Apesar dessa vantagem, ele reconhece que a Argentina ficou mais cara nos últimos 12 meses, com preços mais altos que refletiram nos pacotes de viagem e na busca de turistas brasileiros por destinos alternativos na América Latina:
— Há um ano, um pacote de dez dias com hospedagem, alimentação e transporte custava cerca de US$ 700 por pessoa na Argentina. Hoje, está 30% a 40% mais caro.
A aposta de Fabiano Camargo, presidente do Conselho da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (BRAZTOA), é a que a liberação do câmbio facilite as transações entre operadores brasileiros e fornecedores argentinos. A expectativa dele é que a equiparação das cotações deixe os valores “mais competitivos e acessíveis”, especialmente para quem deseja parcelar em reais.
Brasileiros sentem impacto de preços
Quem viaja ao país com regularidade, tem sentido no bolso o aumento dos preços que tem afetado a população argentina que sente, lá, um custo de vida maior.
Daniel Abed, gerente de produtos de 32 anos, tem uma viagem marcada para a Argentina para o feriado de Páscoa. Há três anos ele viaja ao país com regularidade para visitar a namorada, também brasileira, que estuda medicina na Universidad Nacional de La Plata. Agora, tem planejado um gasto maior para cada dia de viagem:
— Toda a parte de alimentação e restaurantes era, antes, muito barata. Você levava pouco e fazia muito. Antes, um real valia cerca de 90 pesos. Hoje, está em quase 200 pesos. Você pensa ‘pô, o real está valendo mais’, mas não necessariamente você compra mais coisas. Porque o custo de tudo aumentou.
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Há três anos no país, a estudante Thays Andrade, namorada de Daniel, diz que a mudança de preços foi “brusca”. Quando chegou a La Plata, onde mora, tinha gastos mensais de cerca de R$ 1 mil. Hoje, só o aluguel, que antes era R$ 500, custa R$ 1,6 mil. Os custos mensais com moradia e alimentação escalaram para R$ 2,5 mil, conta a brasileira.
A dona de casa Silvia Paes de Castro, de 56 anos, viajou seis vezes ao país nos últimos anos para visitar o filho, que se mudou para o país. Em 2025, no entanto, teve que mudar os planos. A próxima viagem planejada ficou para o ano que vem.
— Era tudo muito barato para passeios e restaurantes. Na última viagem já estava mais caro em relação às anteriores. Mas hoje mesmo ficaria mais difícil de viajar porque, pelo que falo com meu filho, aumentou tudo — diz Silvia, que cita que os gastos do filho dobraram no último ano.
Sempre que viaja a Buenos Aires, onde mora o filho, Silvia costuma ter sempre uma parte em dólar. Um dos motivos é a hospedagem, já que os hotéis da capital argentina muitas vezes pedem pagamento em dólar, diz. Ela conta ainda que evita usar o cartão de crédito, por causa do IOF alto.
Para quem tem viagem marcada para o país, a sugestão de especialistas é adotar uma estratégia “híbrida”: levar uma parte da quantia (em dólar) em espécie e outra em cartões multimoedas, que permitem saques em peso argentino ou dólar, caso de empresas como Wise e Nomad. Carlos Castro, coordenador da comissão de embaixadores da Planejar, explica como se preparar:
— É bom ter uma parte em espécie e a outra em cartão, mas procurar usar um cartão de débito, para não pagar o IOF de quase 7%. Na Argentina, em particular, é relevante, sim, você ainda levar uma parte do dólar em dinheiro.
Castro acrescenta que, para a compra dos dólares, o melhor é uma programação com antecedência e uma compra “em fases” até a data da viagem
— O que recomenda-se sempre é que se faça o câmbio médio. Se você tem uma expectativa de gastos na Argentina e tem um tempo que está se planejando para ir para lá, o ideal é ir comprando dólar aos poucos nesse período. Já que é volátil, não dá para saber qual é o melhor momento. Dessa forma, você faz o câmbio médio — acrescenta o especialista em planejamento financeiro.