Quem passa pelo Cristo Redentor dificilmente imagina que, sob a imponência da estátua, existe uma rotina de risco que mantém as encostas ao redor limpas e seguras. No ponto turístico, garis alpinistas da Comlurb descem as pedras do Corcovado para operações de limpeza. A cena chama a atenção de quem vê, mas, para a equipe especializada, já é parte de um cotidiano que se espalha por vários pontos da Zona Sul, de Santa Teresa a comunidades como Pavão-Pavãozinho, Cantagalo, Santa Marta, Vidigal e Rocinha, além da Avenida Niemeyer e da Estrada do Joá. Suspensos pelas cordas, os garis enfrentam o peso do lixo e da gravidade. Entre o risco e a vista, entre sacos pesados e cartões-postais, eles sustentam na ponta das cordas a delicada tarefa de manter a cidade mais limpa, mais segura e, por que não?, mais bonita.
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Criado em 2015, o serviço nasceu da necessidade de atender áreas onde o descarte irregular de lixo representava risco real de deslizamentos e proliferação de vetores, especialmente no verão. Dez anos se passaram, e a equipe cresceu de seis para 22 profissionais (entre eles uma mulher) treinados e certificados para atuar suspensos em cordas. São garis que, além de experiência com equipamentos operacionais, passam por formação rigorosa de acesso por corda, com certificação internacional da Associação Nacional das Empresas de Acesso por Corda e Resgate, entidade que garante padrões de segurança em resgate e trabalhos em altura. Desde 2015, não houve qualquer acidente registrado, apesar da complexidade das operações.
Garis alpinistas: suspensos entre o lixo e a vista
O trabalho começa antes mesmo de as cordas tocarem as encostas. A equipe sai da gerência com a ordem de serviço e os equipamentos, chega ao local e realiza uma varredura para identificar pontos de ancoragem. Só a amarração das cordas, com todos os cuidados de segurança, pode levar até uma hora e meia.
— Depois disso, são até seis horas de trabalho corrido, suspensos. É exaustivo, mas já virou rotina para a gente — explica Moysés da Silva de Brito, alpinista há 20 anos, que entrou para a Comlurb em 2015, justamente quando a empresa decidiu buscar profissionais com experiência para compor o grupo.
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Os garis contam com uma série de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) desenvolvidos especialmente para garantir a segurança durante o trabalho em altura. Entre eles estão cinto de segurança com dispositivo trava-quedas deslizante do tipo blocante de pino removível, mosquetão e capacete de alpinismo, além de descensores, ascensores e cordas de poliamida, que, juntos, permitem a execução das tarefas de limpeza de forma técnica, controlada e com menor risco de acidentes.
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Moysés Brito conhece de perto o contraste entre os pontos turísticos e as comunidades da Zona Sul. No Cristo, a maior parte do material recolhido é fruto do acaso: garrafas PET, bonés, óculos de sol e bolsas que os visitantes deixam sobre a mureta e acabam levados pelo vento.
— No Cristo, muita coisa cai sem intenção. O turista coloca uma garrafinha na mureta, e o vento leva. Já nas comunidades é diferente. Nesses locais tem descarte diário, geladeira, sofá, resto de obra. Chega fim de ano, o pessoal troca os móveis e joga tudo na encosta. Isso acontece porque o acesso às comunidades não é fácil, então não é que todo mundo que desce com um móvel só para fazer o descarte correto — detalha.
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Nas encostas de comunidades como Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, a realidade é mais dura. O descarte de lixo é contínuo, mesmo durante a presença dos garis.
— Nesses locais jogam muito resíduo diariamente, até mesmo quando estamos limpando. Às vezes precisamos gritar para avisar que estamos ali embaixo. A segurança do trabalho ajuda nessa parte, junto com a associação de moradores — completa Brito.
Em áreas como a Avenida Niemeyer, a equipe ainda enfrenta outro desafio. Além de retirar o lixo acumulado, faz podas na vegetação que ameaça invadir a pista. Quem caminha pelo local também deixa resíduos ao longo da via, aumentando a carga de trabalho.
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Cada operação exige um esforço físico enorme. Os garis descem com cerca de dez quilos de equipamentos de proteção e, ao longo do dia, precisam puxar de volta para cima sacos de resíduos que pesam até 15 quilos. Quando há acesso por baixo, os objetos podem ser jogados para a remoção por máquinas e equipes de apoio. Mas em muitos casos, como no Cristo, só resta ensacar e subir o material, em um processo lento e cansativo.
— É um trabalho de risco; corremos perigo o tempo todo. Além de suspensos pelas cordas, temos que puxar resíduos pesados. É cansativo, mas ao mesmo tempo gostamos de estar nos pontos turísticos. No Cristo, por exemplo, é especial. Quando dá, até tiramos fotos — admite Brito, com a naturalidade de quem já se habituou à rotina, mas sem perder o orgulho.
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O risco está sempre presente. Na maioria das vezes as pedras ficam escorregadias por causa do despejo irregular de esgoto, outro problema das comunidades. Tem ainda o peso dos resíduos e até a possibilidade de paralisação do corpo pelo tempo prolongado de suspensão que faz parte do cotidiano. Ainda assim, a segurança tem sido garantida pelo treinamento e pela disciplina da equipe.
— É um trabalho reconhecido e de grande visibilidade. E também um sucesso, já que nunca tivemos um único acidente. É extremamente perigoso, mas nossas equipes são muito bem treinadas e seguem rígidos padrões de segurança — afirma Alexandre Campos, diretor de Limpeza Urbana da Comlurb.
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Ele explica que, para chegar à função, o gari precisa ter alcançado o nível dois, com habilidade para operar motosserras, britadeiras e outros equipamentos. Só depois pode se candidatar à especialização em rapel. A função, além de mais complexa, vem acompanhada de remuneração maior.
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O pior inimigo, no entanto, continua sendo o descarte irregular de lixo e resíduos. Campos destaca que, além do trabalho dos garis alpinistas, a Comlurb vem apostando em medidas para reduzir o problema na origem.
— Agora, estamos construindo ecopontos (com caixa compactadora para lixo domiciliar e caixa para recebimento de entulho, galhos de árvores e bens inservíveis, como móveis, colchões e eletrodomésticos) para que moradores de comunidades parem de jogar lixos nas encostas e rios. Distribuímos também novos contêineres de alta capacidade. Já são 12 mil e queremos chegar a 22 mil até dezembro, além de ter cem ecopontos funcionando — adianta o diretor.
O trabalho dos garis alpinistas não se limita à remoção do lixo. Muitas vezes, envolve também corte de vegetação, prevenção de riscos e monitoramento de áreas críticas. É uma função que exige resistência física, preparo psicológico e, sobretudo, resiliência diante de uma realidade que se repete de segunda-feira a sábado. Em dez anos, mais de duas mil toneladas de resíduos foram retiradas das encostas cariocas pela equipe. Cada tonelada representa uma ameaça eliminada, um risco a menos de deslizamento, um cartão-postal preservado.
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Nas comunidades da Zona Sul, o desafio é ainda maior. Entre ruas estreitas, ladeiras e áreas de difícil acesso, o lixo descartado irregularmente continua sendo um problema constante. No entanto, pouco a pouco, a presença dos garis alpinistas e as ações de conscientização têm produzido resultados. Onde antes o acúmulo de resíduos era diário, hoje já se percebe maior adesão aos pontos de coleta. A batalha é lenta, mas essencial.
— A cidade é dividida em cinco áreas de planejamento, e há garis em todas as regiões. Nosso principal objetivo é eliminar o descarte irregular nas encostas. Para isso, precisamos do apoio da população — diz Campos.
Atualmente, não é necessário ser alpinista para se candidatar às equipes de limpeza de encostas, e a Comlurb está estruturando um aumento de remuneração para esses profissionais. A inscrição é aberta mesmo para quem nunca trabalhou com rapel.
— Costumo dizer que os garis alpinistas são como jogadores de meio-campo em time de futebol. Não é só um trabalho de remoção de lixo —brinca o diretor.
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