No ano em que completaria 33 anos — mesma idade atribuída a Jesus Cristo quando morreu — a tradicional Via Sacra da Rocinha deixará de ser realizada na Sexta-Feira Santa, pela primeira vez por falta de recursos. A única ocasião na qual a encenação, que percorre as principais vias da comunidade da Zona Sul, havia sido suspensa anteriormente foi por razões sanitárias, durante a pandemia da Covid-19. Naquela ocasião, havia recomendação das autoridades médicas de isolamento social para evitar a contaminação pelo vírus.
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Segundo Aurélio Mesquita, diretor e idealizador do espetáculo, a encenação já não contava com recursos públicos desde 2015, quando o orçamento era estimado em R$ 209 mil. Na ocasião, a ajuda veio do estado. De lá para cá, as apresentações eram custeadas por parceiros, a maioria pequenos comerciantes da própria favela e com os esforços do próprio elenco, que é todo local.
— Em 2016, chegamos a ter a verba aprovada, mas faltando 15 das para a apresentação a secretaria deu para trás. De lá para cá, não temos conseguido mais dinheiro. Tudo é na base do favor. O máximo que conseguimos foi a ajuda de uma empresa de luz e som que doava os equipamentos. No mais, o projeto era mantido com o esforço dos participantes e parceiros dentro da favela. Uns conseguiam o espaço para ensaiarmos, outros entravam com cafezinho e água — disse Mesquita.
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A principal dificuldade, segundo o diretor, foi a elevação dos custos, avaliados em R$ 469 mil. Aurélio Mesquita contou que inscreveu o projeto na Lei Estadual de Incentivo à Cultura, mas não foi contemplado com o patrocínio.
— Organizamos uma comissão na comunidade para tentar uma reunião na Secretaria de Cultura (do estado), que aconteceu em 10 de fevereiro. Nos informaram que não podiam indicar uma empresa para patrocinar o espetáculo nem investir dinheiro público — contou Aurélio.
Ele disse que buscou também a ajuda do município, mas não teria sido atendido.
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O diretor e idealizador do projeto teve a ideia de montar a Via Sacra da Rocinha quando, no final da década de 1980, teve contato com um grupo de teatro que encenava os últimos passos de Jesus Cristo no Sesc da Tijuca. Ele se valeu de toda estrutura do local, incluindo o terreno acidentado. Aurélio aproveitou a ideia, adaptou o texto e o montou na favela, utilizando moradores como atores.
A encenação começava no Largo do Boiadeiro, na parte baixa da comunidade que dá para o bairro de São Conrado. De lá, segue pelo Caminho do Boiadeiro e a Estrada da Gávea até chegar à Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem, num percurso de 2,7 km. O espetáculo acontecia sempre na Sexta-Feira Santa, com um ensaio geral na véspera, quando o elenco — composto por mais de cem atores —aproveitava para fazer o teste de luz e som. Essa apresentação também costumava atrair bastante público.
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— Acho que faltam reconhecimento e valorização a um projeto que já virou uma tradição na cidade. Por conta das dificuldades financeiras, achei melhor cancelar. Vamos nos organizar para o ano que vem termos condições de colocar um espetáculo decente na rua, do jeito que o morador da Rocinha merece e manter a qualidade do nosso trabalho — defende o idealizador.
No ano de 2015, um projeto do vereador Paulo Pinheiro foi promulgado pela Câmara Municipal, após ter sido vetado pelo prefeito Eduardo Paes, declarando a Via Sacra da Rocinha como Patrimônio Cultural e Imaterial da Cidade do Rio de Janeiro. A proposta evidenciava a importância da encenação como teatro de rua e manifestação cultural de favela.
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A Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa informou que o projeto, inscrito na Lei Estadual de Incentivo à Cultura, foi inabilitado por ter solicitado um valor superior ao limite permitido para proponentes registrados como MEI (Microempreendedor Individual), que é de R$ 200 mil, conforme estabelecido na Resolução nº 89/2020.
A nota diz ainda que “o Sistema Desenvolve Cultura permanecerá aberto até o dia 30 de novembro, permitindo que o proponente adeque seu projeto dentro dos parâmetros estabelecidos e o reapresente para nova análise de patrocínio”.
A Secretaria Municipal de Cultura também foi procurada, mas ainda não respondeu.