Era tarde da noite no Japão quando Shinichiro Watanabe brincou que preferiria usar seu óculos de sol durante a entrevista para “parecer mais descolado”. A sugestão faz sentido: basta pesquisar pelo nome do diretor e roteirista japonês no Google para ver que ele posa com o acessório em toda e qualquer foto. Conhecido pela direção de animes como “Cowboy Bebop”, “Samurai Champloo”, “Carole & Tuesday” e pelo mais recente “Lazarus”, lançado em abril deste ano, Watanabe vem ao Brasil para participar do Anime Friends, maior festival de cultura pop asiática na América Latina, que começa hoje no Distrito Anhembi, na Zona Norte de São Paulo. O diretor de 60 anos participa do evento de amanhã até domingo e, acompanhado de um intérprete (ele só fala japonês), conversou antes com exclusividade com o GLOBO.
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A lista de produções de Watanabe é extensa. Desde 1998, quando lançou seu trabalho mais famoso, “Cowboy Bebop”, o diretor e roteirista não abandonou mais o público otaku — fãs de animes, mangás e videogames japoneses. De lá para cá foram vários lançamentos, inclusive em produções americanas, como na direção de curtas-metragens da minissérie “The Animatrix”, de 2003.
Apesar dos diferentes universos criados para cada anime, da ficção científica à aventura histórica, Watanabe diz que procura não se prender à pressão de elaborar algo surpreendentemente novo a cada trabalho.
— Essa pressão acaba me bloqueando, mas claro que tenho o cuidado de não deixar minhas obras muito parecidas. Não quero ser visto como um artista que sempre faz o mesmo tipo de obras. Alguns fãs disseram que “Lazarus” parece com outro trabalho meu de mais de 25 anos atrás (“Cowboy Bebop”)… Então, nesse caso, acho que posso me inspirar um pouco nele — brincou Watanabe.
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“Lazarus” foi lançado em abril deste ano, tanto no exterior quanto no Brasil, e marca o retorno do diretor à ficção científica. A animação se passa em 2052 e acompanha a busca de um grupo de foras da lei por um cientista desaparecido, responsável por criar uma droga milagrosa que deveria fazer a Humanidade parar de sentir dor, mas que se torna mortal.
— A inspiração veio do caso do Michael Jackson, que morreu (em 2009) pelo uso excessivo do analgésico Propofol. Fiquei intrigado e comecei a pesquisar sobre — contou Watanabe.
No entanto, mesmo com a inspiração numa história real, o criador do anime diz que não pretendia passar uma grande mensagem por trás do enredo da produção. Segundo Watanabe, a ideia era deixá-lo “fácil”, sem algo “muito profundo”. No final, é um anime de ação para entreter o público.
Se não há grandes segredos na construção da história de “Lazarus”, a trilha sonora talvez seja a cereja do bolo. Enquanto criava a série animada, o diretor conta que ouvia com frequência as músicas dos DJs britânicos Bonobo e Floating Points e do saxofonista americano Kamasi Washington. E assim surgiu a trilha sonora, numa boa mistura entre jazz e música eletrônica:
— Perguntei se eles gostariam de fazer parte do anime e os três toparam. Então, foram eles três que fizeram todas as músicas de “Lazarus”.
Watanabe ainda menciona que o novo anime (disponível por aqui na Max) tem um pouco de brasilidade, já que o protagonista, Axel Gilberto, é brasileiro.
— Fiz isso porque amo música brasileira — comentou ele, depois de mostrar pela câmera alguns discos de João Gilberto que tem em casa. — Esta será minha terceira vez no Brasil, a última foi há 14 anos. Nunca tive muitas oportunidades para encontrar meus fãs brasileiros, estou empolgado.
No evento Anime Friends, será a primeira vez do diretor japonês: de amanhã a domingo, os visitantes poderão encontrá-lo à tarde, sempre incluindo o formato Meet & Greet após um bate-papo.
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Com um catálogo recheado de produções — são mais de 30 apenas como diretor —, Watanabe acredita que ainda não trabalhou com todos os gêneros que poderia. Mesmo ao aproveitar pegadas futuristas, como no curta-metragem “Blade runner: black out 2022”, ou ao criar um universo de faroeste espacial em “Cowboy Bebop”, ele acredita que ainda tem muito o que explorar.
— Ainda não fiz nada de terror ou sobrenatural. Claro que vai ter a minha identidade, a minha assinatura, mas não vai ser nada parecido com os meus outros animes. Não tenho um enredo, mas quero conhecer uma pessoa que consiga ver fantasmas, que tenha essa espiritualidade aflorada. Por favor, me apresentem alguém para que eu possa usar como inspiração — brincou.
Apesar de ainda querer explorar novas vertentes e universos, Watanabe não se vê atendendo às demandas tecnológicas atuais da área, com a popularização global dos animes e a crescente demanda internacional.
— Gosto do desenho feito à mão, não tenho interesse em inteligência artificial nem em CGI para as animações. Vou manter do meu jeito até o final — diz ele.
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Watanabe conta que sua maior inspiração não vem do universo das animações ou dos mangás, mas do cinema, mais especificamente dos filmes do lutador de artes marciais e ator Bruce Lee. A infância de Watanabe foi recheada de filmes como “A fúria do dragão” (1972), “Operação dragão” (1973) e “Jogo da morte” (1978).
— Seus filmes faziam muito sucesso no Japão. Quando criança, o achava um ator incrível e o imitava na escola. Depois, quando adulto, descobri que ele tinha uma filosofia pessoal muito grande e virei ainda mais fã — contou.
Além disso, o diretor brinca que se inspira um pouco em si mesmo para criar seus protagonistas. Em sua maioria anti-heróis melancólicos, marcados por perdas.
— Acho que eu mesmo sou um anti-herói por ser um cara meio fora da sociedade, entende? Nunca consegui me encaixar na sociedade japonesa, ser um funcionário, cumprir horário e todas as regras sociais do Japão. Acabei desistindo de tudo e virei o diretor que sou hoje — diz Watanabe.
*Estagiária sob supervisão de Maurício Xavier
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