Que soluções o poder público pode apresentar à população e, ao mesmo tempo, para o planeta? O GLOBO inaugura hoje a série de entrevistas “Cidades do futuro”, com o relato de experiências internacionais bem-sucedidas ao conciliar sustentabilidade e benefício direto aos cidadãos — todas as iniciativas são finalistas do Local Leaders Awards 2025, entregue pela Bloomberg Philanthropies às melhores políticas de enfrentamento às mudanças climáticas lideradas por autoridades locais. A cerimônia de premiação acontece em 4 de novembro, durante evento no Rio que antecede a COP30, em Belém. Na abertura, o prefeito de Johannesburgo, Dada Morero, detalha o projeto que instalou microrredes de energia solar em assentamentos informais na capital da África do Sul.
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No que consiste essa iniciativa?
O programa utiliza energia solar fotovoltaica e armazenamento em baterias para fornecer eletricidade confiável e acessível a assentamentos informais, evitando a emissão de 101 toneladas de CO₂ por ano. O programa já criou mais de 80 empregos locais e tem como objetivo a expansão para 310 assentamentos em toda a cidade, atendendo potencialmente 67.840 famílias e evitando a emissão de 95.400 toneladas de CO₂ anualmente.
Uma parte fundamental do projeto é a mobilização social. Como a população tem respondido?
Ela funciona por meio de um processo estruturado e multietapas de engajamento comunitário. Começa com um planejamento interno na City Power (autarquia de energia), seguido pelo engajamento com o Conselheiro Distrital e outros órgãos da prefeitura para identificar problemas locais e agendar uma reunião pública. Esse encontro apresenta o projeto e detalha os benefícios para a comunidade, notadamente oportunidades de emprego por meio dos cargos de Agente de Ligação Comunitária e do Programa Expandido de Obras Públicas, além de pacotes de trabalho para pequenas, médias e microempresas. Inicialmente, houve alta satisfação com a criação de empregos e a independência do sistema em relação ao corte de energia. Mas também tivemos alguns desafios relacionados à exclusão de moradores sem documentos devido a restrições de financiamento ou processos judiciais.
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Que melhorias concretas o programa traz para o cotidiano das pessoas?
Ela possibilita um fornecimento de eletricidade seguro, legal e confiável, em grande parte independente do corte de energia. Essa confiabilidade reduz a dependência de métodos perigosos e prejudiciais à saúde, como parafina, velas e madeira, melhorando assim a saúde ao reduzir a exposição à fumaça e aos gases, além de reduzir drasticamente o risco de incêndios. O acesso à energia estável também apoia atividades econômicas e comerciais de pequena escala, permitindo que as crianças estudem e as famílias usem eletrodomésticos básicos. A instalação bem-sucedida gera ainda um sentimento de orgulho comunitário e incentiva a população a investir em moradias mais permanentes e melhorias na infraestrutura, sinalizando confiança no futuro do assentamento.
Houve resistência de grupos que negam as mudanças climáticas, por exemplo?
Na verdade, não. O projeto recebeu apoio por estender a oferta de energia nesses assentamentos informais. A iniciativa consegue melhorar a segurança, a acessibilidade e o acesso à eletricidade.
Como é a relação com outros entes públicos para esse tipo de iniciativa, como gestões estaduais ou a federal?
O primeiro projeto no assentamento informal de Amarasta, que viveu por anos na escuridão, é uma colaboração, com a City Power atuando como agente implementador do Plano de Resposta à Crise Energética do Governo Provincial de Gauteng.
E como a cidade arrecada fundos para viabilizar o projeto?
São dois mecanismos principais: a maioria dos projetos-piloto é financiada pelo Programa de Melhoria de Assentamentos Informais, um subsídio nacional que aloca recursos aos municípios para apoiar iniciativas nesses locais, incluindo o fornecimento de serviços básicos como eletricidade. O programa é canalizado por meio do Departamento de Assentamentos Humanos (DHS). Já em Amarasta, considerado um projeto-piloto emblemático, a verba veio do Governo Provincial de Gauteng por meio de um fundo de emergência. Além do custeio direto, a natureza das microrredes é projetada para gerar retorno, contribuindo para a sustentabilidade financeira. O projeto em Amarasta, por exemplo, devolve o excesso de energia à rede elétrica da cidade, o que deverá permitir a recuperação do investimento inicial de R$ 60 milhões em apenas 18 meses por meio da venda de eletricidade e créditos de alimentação.
Como o programa pode servir de inspiração para o mundo?
Ele oferece diversos princípios transferíveis para outras cidades em rápida urbanização no Sul Global que enfrentam dificuldades com o acesso à energia em assentamentos informais. Demonstra, por exemplo, a viabilidade técnica da implantação de microrredes solares fotovoltaicas como uma alternativa sustentável e responsiva ao clima às redes convencionais sobrecarregadas. A iniciativa também modela como a ação climática (energia renovável) pode ser explicitamente vinculada e impulsionar metas de justiça social, como a redução da pobreza e acesso universal à eletricidade. Há ainda uma melhora na confiabilidade local para as famílias, especialmente durante quedas de luz, e, ao mesmo tempo, realimentamos o excedente de energia para fortalecer a rede municipal mais ampla e gerar receita. Por fim, todo o processo demonstra que o engajamento transparente e contínuo e a oferta de oportunidades de emprego locais são estratégias vitais para garantir a adesão da comunidade, estabelecer legitimidade a longo prazo e mitigar riscos como o vandalismo.

