A busca por soluções para adaptar o país às transformações provocadas pelas mudanças climáticas foi tema de seminário promovido ontem pelos jornais O GLOBO e Valor Econômico e a rádio CBN, no Rio. O debate destacou o papel do planejamento e do acesso a dados e indicadores para políticas públicas e outras iniciativas que ajudem a prevenir e mitigar os efeitos de eventos extremos. Ao mesmo tempo, seus reflexos não apenas provocam perdas financeiras, mas afetam ainda mais um conjunto de populações já vulneráveis.
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O seminário “Resiliência climática: o desafio da adaptação às mudanças do clima” foi a quinta e última rodada do projeto COP30 Amazônia antes da conferência, que ocorre entre os dias 10 e 21 de novembro em Belém. O encontro global tem como um dos seis eixos principais a discussão sobre a resiliência dos municípios diante das transformações no planeta — o tópico é o principal mote de uma nova carta do presidente da COP30, André Corrêa do Lago, divulgada nesta quinta-feira.
O primeiro painel do evento reuniu Claudia Prates, diretora de Sustentabilidade da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg); Inamara Mélo, diretora do Departamento de Políticas de Adaptação e Resiliência da Secretaria Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente; e Valéria Braga, representante do International Council for Local Environmental Initiatives (Iclei) no Rio. A mediação foi de Daniela Chiaretti, repórter especial do Valor Econômico.
Uma das prioridades do governo federal é a implementação de um plano de adaptação para que as cidades consigam proteger os cidadãos, explicou Mélo. Entre as medidas presentes nas agendas do Ministério do Meio Ambiente está o AdaptaCidades, que visa apoiar dois mil municípios até 2035 com a facilitação de acesso a financiamento climático.
— Os desastres são cada vez mais presentes e precisamos estar preparados. As ondas de calor mostram a necessidade de um conforto térmico nas cidades. Precisamos ter espaços públicos mais arejados e verdes, medidas baseadas em soluções da natureza — listou Mélo.
Nesse contexto, as secas e ondas de calor constituem um risco mais frequente para os brasileiros do que desastres provocados por chuvas. Os municípios estão na linha de frente do combate aos efeitos desses desafios: 84% deles foram afetados pelos extremos na última década. Valéria Braga, do Iclei, destacou, entre outros pontos, a importância da disponibilização de dados para auxiliar a atuação das prefeituras.
— São as cidades que conhecem os territórios. Elas liderarem essa transformação é muito importante — avalia. — Alguns exemplos são jardins filtrantes, que filtram a água que vai para as lagoas, e jardins de chuva, que fazem a retenção da água. Outras medidas são a construção de ciclovias e projetos de renaturalização de rios.
Braga lembrou a tragédia ocorrida no Morro do Bumba, em Niterói (RJ), há 15 anos. Após o desastre, a cidade implementou a primeira Secretaria do Clima do Brasil, o que inspirou outros municípios.
— Há alguns anos, quando se pensava em mudança do clima, se lembrava do urso polar. Não mais. A partir da tragédia em Niterói, acordamos para uma série de medidas. Uma delas foi o apoio da defesa civil para fazer a prevenção. O que é melhor e mais barato — diz a representante do Iclei.
Diretora de Sustentabilidade da CNseg, Claudia Prates ressaltou que o caminho da adaptação passa pela ajuda de toda a sociedade e o planejamento prévio para lidar com a crise climática. Ela destacou o papel da contratação de seguros para a prevenção, estratégia que ainda é pouco usada no país e que pode ajudar a reduzir prejuízos na economia.
A CNSeg estima que o Brasil perdeu R$ 500 bilhões na última década com tragédias climáticas. Apenas as enchentes do Rio Grande do Sul em 2024, citou, tiveram impacto de R$ 100 bilhões nesta década. Do total, apenas R$ 6 bilhões contavam com a proteção de empresas seguradas.
— A seguradora deve trabalhar junto com governos para aumentar a resiliência. O seguro não é um custo, é uma proteção. Para o Brasil aumentar sua resiliência, ele precisa de um seguro. O ideal é trabalhar em consórcio — afirma. — O Rio Grande do Sul é o quarto maior estado segurado no país e mesmo assim foram só R$ 6 bilhões em indenização. Isso significa um “gap” de seguro de 95%, 90%, enquanto nos países desenvolvidos está em 40%, 50%.
Já o segundo painel abordou os desafios para se alcançar justiça climática. Participaram do debate Helen Gurgel, coordenadora do Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde da Universidade de Brasília (UnB); Maria João Rolim, sócia da área de Energia e Sustentabilidade do escritório Rolim Goulart Cardoso Advogados; e Paulo Tafner, diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social e pesquisador associado da Fipe. A mediação foi feita pela repórter especial do GLOBO Ana Lúcia Azevedo.
Rolim destacou que esse processo exige uma governança compartilhada:
— A justiça climática tem esse conceito distributivo, de distribuir os recursos. Mas também tem a justiça que a gente chama de procedimental, que é incorporar, no procedimento de fazer política e legislação, não apenas o ato de ouvir e entender, mas o reconhecimento de que as soluções, às vezes, estão muito mais próximas.
Já Helen Gurgel destacou que a realidade do Brasil varia e que reconhecer essa diversidade é fundamental para definir diretrizes capazes de lidar com as diferentes demandas regionais:
— Cada município precisa conhecer sua realidade. Fazer esse trabalho de entender o que está acontecendo, em que ponto é mais vulnerável. Esse é um trabalho que tem que ser feito em nível municipal. E, muitas das vezes, a população sabe. A gente tem que saber ouvir a população, estar atento à escuta dela, mas é preciso ter alguém, um grupo, para ouvir e adaptar essas informações para ajudar na criação de políticas públicas.
Outro desafio destacado ao longo do seminário foi o deslocamento da população diante de eventos climáticos extremos. Paulo Tafner citou um estudo feito com beneficiários do Bolsa Família que indicou maior resistência à migração entre essas famílias, o que mostra uma associação entre políticas públicas e a capacidade de enfrentar eventos climáticos extremos.
Na avaliação de Tafner, independentemente do tipo de evento climático, seus efeitos sempre recaem sobre as populações. Trata-se de um clássico problema econômico de oferta e demanda:
— Nós vamos ter, por um tempo, o problema de que a oferta estará sempre atrás da demanda. Ocorre um evento, por exemplo, e não há leitos neonatais suficientes. Lentamente, vai sendo providenciada a oferta de bens e serviços para atender à nova demanda. É um problema clássico de economia. E como resolver isso? É dificílimo — argumenta.
O projeto “COP30 Amazônia” é uma realização dos jornais O GLOBO e Valor Econômico e da rádio CBN com o patrocínio master de Eletrobras, patrocínio de JBS, Vale e Phillip Morris Brasil, apoio do Governo do Acre, BNDES, Governo do Pará, Suzano e Vivo e parceria institucional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).

