A Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) vai abrir a sessão de hoje com a votação de um projeto do presidente da Casa, Rodrigo Bacellar (União), que tem quatro medidas relativas ao sistema penitenciário. A proposta, chamada de Pacote de Enfrentamento ao Crime, foi apresentada no início do mês passado em meio a um desentendimento do deputado com o governador Cláudio Castro (PL), que tinha anunciado medidas semelhantes pouco antes. Um texto do Executivo também entra na pauta de hoje.

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Só depois entrará em pauta o projeto de lei 6032/2025, enviado pelo governador Cláudio Castro (PL). A proposta do governo, no entanto, é mais enxuta e trata exclusivamente da saída temporária e do trabalho externo dos presos. Castro adapta a legislação estadual às mudanças feitas pela Lei Federal 14.843/2024, que já proibiu o benefício para condenados por crimes hediondos ou violentos. A novidade trazida por Castro é a inclusão de um critério adicional: o juiz, ao decidir sobre a concessão da saída temporária ou do trabalho externo, deve levar em conta se o preso declarou pertencer a uma facção criminosa. A justificativa é que esse vínculo aumenta os riscos de fuga, reincidência e prática de crimes durante o período em que o detento estaria fora do presídio.

A definição da ordem expõe a disputa de protagonismo entre Legislativo e Executivo na agenda de segurança pública. A proposta foi incluída em regime de urgência na pauta, o que significa que passará por uma tramitação acelerada e será votada em discussão única. No entanto, mesmo com o avanço na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde o deputado Rodrigo Amorim (União) atuou como relator, o projeto ainda precisa dos pareceres de outras comissões antes de seguir para votação final no plenário.

Reunião de colégio de líderes da Alerj que estabeleceu o calendário de votação dos projetos enviados pelo governador Cláudio — Foto: Reprodução redes sociais

Nos bastidores, aliados apontam que Bacellar buscou acelerar a tramitação de sua proposta para se antecipar a Castro e marcar posição política — movimento interpretado como estratégia de olho nas eleições de 2026. Já o texto do governador, embora tenha avançado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ainda depende de pareceres de outras comissões como a Segurança Pública e Assuntos de Polícia.

​O embate entre o Palácio Guanabara e Tiradentes não é à toa. A relação entre Bacellar e Castro se desgastou nos últimos meses após o presidente casa, no “estágio” do deputado no Guanabara durante uma viagem de Castro, o governador interino demitiu Washington Reis da Secretaria de Transportes, o que deixou o titular irritado. O presidente da Alerj, com ambições de voos mais altos na política, tem demonstrado independência, segundo aliados, e a apresentação de um pacote próprio de segurança antes do Palácio Guanabara foi o ato mais claro dessa ruptura. Castro, por sua vez, enfrenta a pressão de uma base que vê no presidente da Alerj uma liderança forte e que não hesita em pautar projetos que o governo considera de sua alçada.

Acelerar a tramitação, no entanto, não é um acordo para os projetos do Executivo serem aprovados rapidamente. Isso foi necessário para cumprir o prazo regimental de apreciação das propostas. Desde julho, o presidente da Alerj Rodrigo Bacellar e o governador Cláudio Castro se afastaram politicamente. Com a briga, Bacellar decidiu segurar e atrasar a tramitação dos textos, o que não é comum no parlamento fluminense.

Outro ponto público da briga entre os dois foi no início de agosto, quando o governador deu uma entrevista afirmando que apresentaria projetos de segurança pública. Bacellar se antecipou ao governador e sugeriu um “Pacote de Enfrentamento ao Crime” antes mesmo de Castro. Na reunião desta quarta, a CCJ decidiu pela anexação do projeto do governo sobre a visita íntima à proposta de Bacellar, que versa também sobre o tema.

Desde o meio do mês passado, quando enfim os projetos foram publicados em Diário Oficial os projetos de Castro, se iniciou a contagem de 45 dias para a apreciação pelos deputados em plenário.

O fim desse prazo é no fim de outubro. Ficou decidido então que serão votados primeiramente projetos de segurança, assim como o pacote de Bacellar sobre o tema. Os textos mais polêmicos serão os últimos a serem votados

Pontos-chave dos projetos

O projeto do presidente da Casa, deputado Rodrigo Bacellar, integrante do chamado “Pacote de Enfrentamento ao Crime – PEC-RJ”, prevê restrições mais amplas em benefícios cedidos a detentos previstos na Lei de Execução Penal (LEP). No texto original, condenados por crimes hediondos ou dolosos com violência, ou grave ameaça teriam o benefício suspenso, como parte de um conjunto de medidas estaduais que inclui também monitoramento eletrônico inteligente, restrição de visitas íntimas e ressarcimento parcial de custos prisionais. Para Bacellar, a medida reforça o controle sobre presos de maior periculosidade e integra uma estratégia mais ampla de segurança pública.

Já o projeto do governador Cláudio Castro, chamado de “PL 6032/2025”, atua de forma específica sobre a saída temporária e o trabalho externo, adaptando a legislação estadual à Lei Federal nº 14.843/2024, que revogou o benefício para condenados por crimes hediondos ou violentos. A proposta acrescenta ainda um critério novo: o juiz deve considerar a declaração do condenado sobre seu pertencimento a facção criminosa ao decidir sobre a concessão da saidinha. Segundo o texto, a medida visa reduzir riscos de fuga, reincidência e prática de crimes durante os períodos em que o preso estaria fora do estabelecimento prisional.

Apesar das diferenças de abordagem – Bacellar inserindo a restrição em um pacote amplo de medidas, e Castro focando apenas no benefício da saidinha – ambos os projetos compartilham o objetivo de endurecer a execução penal para presos considerados de maior risco, reforçando a política de segurança e controle da criminalidade no estado. Veja os principais pontos de cada proposta.

Segundo o professor Christiano Fragoso, presidente da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), a Lei de Execução Penal (LEP), federal, estabelece direitos que os estados não podem restringir. Entre eles estão:

Visita íntima: direito do preso previsto na LEP, regulamentado internamente pela Seap desde 2022. Estados podem criar procedimentos para requerimento, mas não podem eliminar ou reduzir o direito.

Permissão de saída por falecimento ou tratamento médico: concedida em tese pelo diretor do presídio, mas na prática decidida pelo juiz. Estados podem definir regras complementares, como horários e documentação, mas não podem reduzir as hipóteses previstas na lei federal.

Saída temporária (saidinha): revogada em 2024 para crimes cometidos após a Lei 14.843. Para detentos de antes de 2024, o benefício ainda existe, limitado a frequência a cursos profissionalizantes ou superiores, com monitoramento eletrônico.

— O governador tem legitimidade para propor mudanças, mas dentro dos limites da Constituição e da LEP. Mudanças procedimentais são aceitáveis; restrições ou cortes de direitos, não. A grande maioria dos estudiosos considera a saidinha um mal necessário para a reintegração social, e estatisticamente poucos presos cometem crimes durante o benefício — afirmou o advogado especialista em direito penal.

Na prática, tanto o projeto de Bacellar quanto o de Castro precisam observar esses limites. A diferença é que o pacote de Bacellar já antecipa medidas sobre a saidinha, enquanto a proposta de Castro se concentra especificamente no tema. A expectativa é que a votação desta terça-feira defina se haverá um texto único consolidando as regras.

O que diz Pacote de enfrentamento ao Crime (PEC-RJ) de Rodrigo Bacellar:

Capítulo I – Cerco eletrônico com inteligência artificial

O projeto prevê a criação do Sistema Estadual de Cerco Eletrônico Inteligente (SISCEI/RJ). O sistema, gerido pela Secretaria de Segurança Pública, usaria câmeras de vigilância, reconhecimento facial, georreferenciamento e inteligência artificial para monitorar ex-presidiários.

  • ​Quem seria monitorado? Ex-apenados com histórico de condenações por crimes violentos (com violência ou grave ameaça) ou que façam parte de organizações criminosas.
  • ​Como funcionaria? O sistema cruzaria dados em tempo real, gerando alertas automáticos sobre movimentação suspeita para subsidiar ações das polícias.
  • ​Proteção de dados: O texto cita a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e garante que o uso de informações sensíveis terá registro auditável. A ideia é cruzar rotas de deslocamento, emitir relatórios para polícia, MP e Judiciário.
  • Coordenação: Centro Integrado de Comando e Controle da Secretaria de Segurança Pública.

Coordenação do monitoramento: Centro Integrado de Comando e Controle da Secretaria de Segurança Pública. O acesso ao sistema será restrito a órgãos de segurança, MP e Judiciário.

  • Inclusão no sistema depende de ato administrativo fundamentado (com base em relatórios de inteligência).
  • O egresso deve ser comunicado da medida ao sair da prisão.
  • Regulamentação em até 90 dias.

Capítulo II- Fim da visita íntima para condenados por crimes violentos

​Uma das medidas mais polêmicas do pacote é a proibição da visita íntima em presídios para detentos condenados por crimes hediondos ou praticados com violência e grave ameaça. O projeto também veda a visita conjugal entre duas pessoas que estejam cumprindo pena.

  • Proibição de visita íntima em presídios estaduais para condenados por: crimes hediondos (Lei 8.072/90), crimes dolosos praticados com violência ou grave ameaça.
  • Também não será permitida a visita íntima por pessoas que estejam cumprindo pena.

Capítulo III – Ressarcimento dos Custos Prisionais

​A proposta autoriza o estado a cobrar de presos uma taxa parcial pelos custos de sua manutenção, como alimentação, vestuário e higiene pessoal.

  • ​Quem pagaria? A cobrança seria aplicada a detentos que tenham capacidade financeira, como aqueles com trabalho remunerado, que recebam auxílio de familiares (igual ou superior a dois salários mínimos) ou que apresentem “padrão de vida elevado”.
  • ​O que aconteceria se não pagasse? A dívida poderia ser inscrita em dívida ativa e cobrada judicialmente.
  • Para onde iria o dinheiro? Os valores arrecadados seriam usados exclusivamente para o Fundo Estadual de Administração Penitenciária, com o objetivo de melhorar as condições dos presídios.
  • Limitações: A medida não pode comprometer a dignidade ou necessidades mínimas, só vale para presos não hipossuficientes, cobrança proporcional à renda.

Capítulo IV – Internação mínima de dois anos para adolescentes

​O projeto estabelece uma diretriz para que adolescentes que cometeram atos infracionais com violência ou grave ameaça tenham uma internação mínima de dois anos. A medida, segundo o texto, seria aplicada em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Sinase. A decisão levaria em conta a gravidade do ato, a reincidência e o risco social.

  • Para atos infracionais cometidos por adolescentes com violência ou grave ameaça, a medida socioeducativa de internação terá duração mínima de 2 anos.
  • Reavaliação periódica deve considerar não só ressocialização, mas também proteção da coletividade e prevenção da reincidência.

Capítulo V – Disposições Finais

O governo poderá criar outras medidas complementares de fiscalização e controle da execução penal. Despesas sairão de dotações orçamentárias próprias e a regulamentação em até 90 dias após publicação.

O que diz o Projeto de Lei 6032/2025 de Cláudio Castro

O texto do governador Cláudio Castro se concentra em um ponto específico. Ele adapta a legislação estadual à nova Lei Federal 14.843/2024, que já extinguiu a saída temporária para condenados por crimes hediondos e com violência.

* Critério de Facção: A proposta adiciona um novo critério: o juiz deve considerar a declaração do preso sobre sua ligação com facções criminosas ao decidir sobre a concessão de trabalho externo ou da própria saidinha.

Alerj vota nesta terça pacote de segurança de Bacellar e projeto de Castro que restringe ‘saidinhas’ de presos