O plano do governo de Donald Trump de eliminar os incentivos fiscais federais para veículos elétricos (EVs, na sigla em inglês) será um grande obstáculo para o transporte movido a bateria nos Estados Unidos, mas não um bloqueio total, segundo previsões de analistas.
Na quinta-feira, republicanos na Câmara dos Deputados enviaram ao presidente Donald Trump um projeto de lei que encerra os créditos fiscais de até US$ 7,5 mil (R$ 40,5 mil) para compradores de veículos elétricos — como os da Tesla do agora desafeto de Trump Elon Musk —, que faziam parte da Lei de Redução da Inflação de 2022.
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A Casa Branca afirmou que a iniciativa do ex-presidente Joe Biden “prometeu muito, mas não entregou nada”. No entanto, os créditos fiscais ajudaram a impulsionar um mercado de EVs muito mais robusto e acessível do que o que existia antes dos subsídios, há dois anos e meio.
Revogá-los — junto a uma série de outras políticas anti-EV adotadas ou em curso pela administração Trump — causará um sério impacto nas vendas, apontam especialistas.
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Segundo um relatório recente da BloombergNEF, a adoção de EVs nos EUA ficará abaixo da média global até 2040, e o país deixará de figurar entre os três maiores mercados de veículos elétricos. A versão do relatório publicada no ano passado previa que os EUA superariam a média global de vendas a partir de 2029.
Ainda assim, Elaine Buckberg, ex-economista da General Motors e hoje no Instituto Salata de Clima e Sustentabilidade da Universidade Harvard, estima que, mesmo com o fim dos créditos fiscais federais, cerca de 37% dos carros novos comprados em 2030 serão elétricos — abaixo da projeção anterior de 48% com os incentivos mantidos.
Os fatores que sustentam essa demanda são relativamente simples: os carros elétricos estão muito melhores e mais baratos do que antes, e há muito mais modelos disponíveis.
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— No cenário mais provável, você acaba com um atraso de cerca de dois anos na adoção — disse Buckberg. — Acho que (os veículos elétricos) serão mais resilientes do que as pessoas estão imaginando.
O preço médio pago por consumidores americanos por um EV caiu ligeiramente desde o início da era da Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), de US$ 64.700 (R$ 350 mil) em janeiro de 2023 para US$ 59.900 (R$ 323,4 mil) em abril — queda de 7,4%, sem ajuste pela inflação, segundo o site Edmunds.com. Porém, o leque de opções aumentou significativamente.
Quando a IRA foi aprovada, havia 34 tipos de EVs à venda nos EUA, sendo apenas 11 modelos abaixo do preço médio dos veículos, de US$ 47.500 (R$ 256,5 mil). Hoje, há o dobro de modelos elétricos disponíveis, com 19 deles abaixo desse valor. Incentivos estaduais em 17 estados podem reduzir ainda mais o custo para alguns compradores.
— Há muito mais opções não luxuosas — disse Buckberg. — É mais provável que você encontre a marca, o estilo e o tamanho que deseja.
Stephanie Valdez Streaty, diretora na Cox Automotive, afirmou que montadoras e concessionárias estão oferecendo descontos que muitas vezes igualam ou superam os incentivos governamentais.
Ela destacou que, em alguns casos, os incentivos de revendedores no Nissan Leaf fazem com que “você consiga esse carro por menos de US$ 20 mil”.
A BNEF prevê que os EVs nos EUA serão tão baratos quanto — ou mais — que os modelos a gasolina por volta de 2028 (o banco Goldman Sachs estima que esse ponto pode ser alcançado ainda antes).
Americanos têm interesse no carro elétrico
Há indícios de que a maioria dos americanos está, ao menos, curiosa sobre os EVs. Segundo uma pesquisa da JD Power realizada em maio, quase 60% dos consumidores nos EUA estão “muito” ou “um pouco” propensos a comprar um veículo elétrico — mesmo nível de um ano atrás.
Além disso, preocupações com o preço e o custo de manutenção diminuíram nos últimos 12 meses. Ainda assim, o fim dos incentivos federais afetará mais duramente a base do mercado.
— As pessoas que têm condições de comprar um Rivian ou um Lucid vão continuar fazendo isso — disse Ingrid Malmgren, diretora de políticas do grupo de defesa Plug In America. — O impacto, como boa parte desse projeto, será desproporcionalmente pago pelos americanos de baixa renda.
Incentivo aos carros convencionais
Revogar os créditos fiscais para EVs é apenas parte da forma como o governo Trump favorece os modelos a combustão. A administração congelou um plano federal de US$ 5 bilhões para construir estações de recarga, principalmente em rodovias rurais e comunidades de baixa renda.
A Casa Branca também prometeu afrouxar os regulamentos sobre emissões de escapamento e bloqueou a política da Califórnia que previa banir a venda de carros a gasolina até 2035.
Considerando todas essas mudanças, o impulso dos EVs deve perder ainda mais força do que só com o corte da IRA: a BNEF projeta que apenas 27% do mercado americano será elétrico em 2030, ante os 48% estimados no ano passado. Buckberg prevê desaceleração semelhante.
Fora dos EUA, no entanto, os veículos elétricos continuam em ritmo acelerado, impulsionados pela queda no preço das baterias e pela enxurrada de modelos baratos fabricados na China. A BNEF estima que um em cada quatro carros vendidos no mundo este ano — cerca de 22 milhões de unidades — será elétrico, um aumento de 25% em relação a 2024. Dois terços dessas vendas ocorrerão na China.