A ameaça do Irã de fechar o Estreito de Ormuz, corredor marítimo por onde passa cerca de um quinto do petróleo consumido no planeta, voltou a preocupar líderes globais. Nesta segunda-feira, a chefe da diplomacia da União Europeia, Kaja Kallas, classificou a possibilidade como “extremamente perigosa” e advertiu que tal ação “não seria boa para ninguém”.

Mas o que significa, na prática, fechar o Estreito de Ormuz? E como um único país pode tentar interromper, em águas internacionais, uma das rotas comerciais mais vitais da economia global?

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Embora parte do estreito esteja sob jurisdição do Irã e de Omã, a faixa por onde passam os navios comerciais é considerada águas internacionais, segundo o direito marítimo da ONU. Isso, no papel, impediria o Irã de bloqueá-lo legalmente. Mas, na prática, a geografia e o poderio militar iraniano contam outra história.

Mapa mostra onder fica o Estreito de Ormuz — Foto: Arte O Globo

À primeira vista, o Estreito de Ormuz parece amplo demais para ser fechado. Com mais de 30 quilômetros de largura no ponto mais estreito, a impressão é de que se trata de um canal impossível de ser bloqueado por um único país. Mas, na prática, os gigantescos petroleiros e navios de carga que cruzam diariamente a região não transitam livremente por qualquer ponto.

Eles seguem dois corredores marítimos definidos — chamados de canais de tráfego — estabelecidos internacionalmente para organizar o fluxo e evitar acidentes. Cada um desses canais tem apenas 3 quilômetros de largura, com uma faixa de separação de outros 3 km entre eles. Um corredor é usado para entrada e outro para saída do Golfo Pérsico, num sistema de mão dupla semelhante a uma estrada marítima.

Ou seja, todo o tráfego comercial global que depende do Estreito de Ormuz está comprimido em dois corredores de navegação extremamente vulneráveis. São zonas estreitas, previsíveis e localizadas justamente ao alcance dos mísseis, drones e minas iranianas.

Como o Irã poderia tentar fechar o estreito?

Ao longo dos últimos anos, o Irã tem reforçado seu arsenal militar costeiro e o uso de tecnologias assimétricas que poderiam transformar a região em um campo minado. Uma das estratégias mais viáveis para interromper o tráfego marítimo na região seria o uso de minas navais: pequenas, silenciosas e difíceis de detectar, elas poderiam ser lançadas por submarinos, navios ou até helicópteros em pontos-chave da passagem.

Além das minas, o Irã mantém ao longo da costa do Golfo Pérsico baterias móveis de mísseis antinavio. Modelos como o Noor e o Khalij Fars têm alcance suficiente para atingir embarcações em plena navegação. Com uma topografia costeira montanhosa, essas plataformas podem ser deslocadas e escondidas com facilidade, dificultando uma eventual neutralização por forças ocidentais.

A ameaça não se limita aos mísseis. A Guarda Revolucionária Iraniana é famosa por sua frota de lanchas rápidas e drones kamikazes, capazes de cercar embarcações maiores, intimidar e até executar ataques coordenados em estilo “enxame”, dificultando a defesa de navios comerciais e de guerra. Durante a atual escalada no Oriente Médio, navios ligados a Israel foram atingidos por drones e mísseis de origem iraniana, demonstrando que Teerã tem capacidade para projetar força além de suas fronteiras.

Navio da Marinha iraniana participa de exercícios navais na região do Estreito de Ormuz — Foto: EBRA​HIM NOROOZI /JAMEJAMONLINE/ AFP PHOTO
Navio da Marinha iraniana participa de exercícios navais na região do Estreito de Ormuz — Foto: EBRA​HIM NOROOZI /JAMEJAMONLINE/ AFP PHOTO

O Estreito de Ormuz liga o Golfo Pérsico ao mar de Omã e, dali, ao oceano Índico. Por essa via estreita, transitam diariamente cerca de 17 milhões de barris de petróleo, além de gás natural liquefeito do Catar. Mesmo sem um bloqueio declarado, o Irã já demonstrou que é capaz de parar a circulação naval seletivamente.

Em 2019, o país chegou a apreender petroleiros britânicos em retaliação à captura de uma embarcação iraniana em Gibraltar. Mais recentemente, no contexto do conflito com Israel, navios ligados a aliados ocidentais também foram temporariamente impedidos de transitar pelo Golfo.

Em 1988, uma fragata americana foi danificada por uma mina iraniana. Em retaliação, três navios de guerra e duas plataformas de observação iranianas foram destruídos por forças de Washington. Em julho do mesmo ano, um navio de guerra americano derrubou um avião comercial iraniano com dois mísseis, matando todos os 290 passageiros civis a bordo, incluindo 66 crianças. Segundo a Casa Branca, a tripulação confundiu a aeronave com um avião de caça.

Estreito de Ormuz é uma região entre Irã e Omã — Foto: Reprodução/Nasa
Estreito de Ormuz é uma região entre Irã e Omã — Foto: Reprodução/Nasa

Dada a importância econômica da passagem, talvez o trunfo mais poderoso do Irã não esteja nas minas ou nos mísseis, e sim na psicologia do mercado global. A simples ameaça de fechamento do estreito já consegue provocar pânico nas bolsas de petróleo. A simples ameaça de fechamento do estreito já é capaz de provocar pânico nas bolsas de petróleo. Navios desviam rotas, os seguros disparam, e o preço do barril reage instantaneamente.

A comunidade internacional, por sua vez, mantém uma vigilância constante na região. Os Estados Unidos e o Reino Unido operam patrulhas navais permanentes no Golfo Pérsico para garantir a liberdade de navegação. Por isso, qualquer tentativa real de interdição do estreito por parte do Irã poderia resultar em uma resposta militar direta.

Para o Irã, fechar o Estreito de Ormuz é arriscado, mas usar essa ameaça como carta política e militar é uma tática que o país vem praticando há décadas. Nesse contexto, a declaração de Kaja Kallas, da União Europeia, ecoa um temor que se espalha entre diplomatas e economistas: um passo em falso pode incendiar não apenas o Oriente Médio, mas a economia mundial.

como o Irã pode fechar a passagem marítima mesmo sendo em águas internacionais? Entenda