O Conselho de Guardiões do Irã, órgão encarregado de verificar que a lei está em conformidade com a Constituição, ratificou nesta quinta-feira um projeto de lei que suspende a cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) da ONU, após os bombardeios israelenses e americanos contra instalações nucleares iranianas. Por sua vez, o órgão global de vigilância nuclear afirmou que não foi informado oficialmente pelo país até o momento.
- O que diz cada lado: Ataque dos EUA contra instalações nucleares do Irã abre guerra de versões e janela diplomática
- Veja como funciona: EUA divulgam vídeo de teste de bomba de 14t usada pela 1ª vez em ataque ao Irã
— A proposta que exige ao governo suspender sua cooperação com a AIEA foi revisada pelo Conselho de Guardiões e é considerada conforme aos princípios da sharia [conjunto de leis e princípios religiosos do Islã] e da Constituição — declarou à agência oficial Irna o porta-voz do Conselho, Hadi Tahan Nazif.
O Parlamento iraniano votou na quarta-feira a favor de suspender a cooperação com o organismo. Segundo a televisão estatal, 221 deputados votaram a favor do texto, um se absteve e nenhum votou contra.
O projeto agora precisa ser transmitido à Presidência do Irã para sua ratificação final, mas a aprovação já foi vista como uma demonstração de desafio por parte de Teerã.
- Guga Chacra: Trump copia Bush pai
“Até o momento, a AIEA não recebeu uma comunicação oficial do Irã sobre esse assunto”, confirmou a agência à BBC.
Um dos principais objetivos da agência é monitorar a atividade nuclear no Irã e em outros países, incluindo aqueles que assinaram o Tratado de Não Proliferação Nuclear. Mas as relações da agência com o Irã estavam em baixa mesmo antes do ataque israelense ao país em 13 de junho.
Os inspetores da AIEA permaneceram no Irã durante toda a guerra, mas não conseguiram acesso às instalações nucleares em meio aos combates. E não estava claro quando ou se teriam permissão para fazê-lo novamente agora que o cessar-fogo foi estabelecido.
- Drones, paranoia e óculos escuros: Como a guerra com Israel turbina a repressão no Irã
Como signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear, o Irã é “obrigado a ter um sistema de inspeção”, disse o diretor da agência, Rafael Grossi, a uma rádio francesa nesta quarta-feira. Ele instou as autoridades iranianas a não rejeitarem “unilateralmente” as inspeções, “porque, do contrário, estaríamos à beira de outra grande crise”.
Grossi, que disse que a cooperação do Irã com a AIEA antes da guerra era “limitada”, disse que entrou em contato com o ministro das Relações Exteriores do Irã para discutir um possível retorno de inspetores da agência às instalações nucleares iranianas, mas ainda não recebeu uma resposta.
Apesar de os inspetores da AIEA não terem conseguido acesso às instalações nucleares desde os ataques, Grossi disse ainda que, embora seja difícil avaliar os danos apenas com imagens de satélite, dada a potência das bombas lançadas sobre Fordow e as características técnicas da usina, “já sabemos que essas centrífugas não estão mais operacionais.
Centrífugas, máquinas giratórias usadas para enriquecer urânio, exigem um alto grau de precisão e são vulneráveis a vibrações intensas, disse ele.
— Não houve como escapar de danos físicos significativos — acrescentou. — Portanto, podemos chegar a uma conclusão técnica bastante precisa.
Ele disse, no entanto, que seria “exagero” afirmar que o programa nuclear iraniano havia sido “eliminado” após a campanha de bombardeios israelense e americana. Grossi observou que nem todas as instalações nucleares iranianas haviam sido atingidas e afirmou que autoridades iranianas lhe disseram que tomariam “medidas de proteção” para o urânio já enriquecido. Ainda assim, ele acrescentou, o programa nuclear definitivamente sofreu “enormes danos”.
Os comentários surgiram em meio a uma disputa de narrativas sobre a eficácia dos ataques dos EUA às instalações nucleares do Irã.
Estados Unidos e Israel sustentam que os bombardeios causaram danos severos ao programa nuclear iraniano — apesar de um relatório preliminar confidencial da inteligência americana concluir que o ataque havia atrasado o programa nuclear iraniano em apenas alguns meses.
O Irã, por sua vez, contesta as alegações e evita detalhar a extensão dos possíveis estragos. Nesta quinta-feira, na primeira manifestação desde o cessar-fogo entre Israel e Irã, o líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, reivindicou a vitória no conflito de 12 dias entre duas das principais forças bélicas do Oriente Médio, afirmando que a República Islâmica “praticamente nocauteou” o Estado judeu durante os combates e deu “um duro tapa na cara” do regime americano, que “fracassou em alcançar qualquer coisa significativa” ao atacar as instalações nucleares iranianas.