Quando chegou ao poder, em 10 de dezembro de 2023, o presidente da Argentina, Javier Milei, não tinha ainda um partido político estruturado em todo o país, e tampouco uma presença expressiva no Parlamento. Sua força vinha das urnas, onde obteve quase 56% dos votos no segundo turno, com o apoio do partido do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) e, portanto, de eleitores de centro-direita e direita. Neste domingo, , em meio a uma deterioração da situação econômica e tensões políticas crescentes, os argentinos irão novamente às urnas para renovar quase a metade da Câmara (127 de 257 cadeiras) e um terço do Senado (24 de 72 membros).
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O resultado dirá em que condições Milei governará pelos próximos dois anos. Sem o apoio popular que teve no primeiro ano de governo, o presidente precisa ampliar e fortalecer a presença de seu partido, A Liberdade Avança (LLA), no Congresso para garantir governabilidade. Um resultado ruim será o prenúncio de tempos difíceis para a Argentina.
Milei, cujo partido tem hoje 37 deputados e nenhum senador, chega ao pleito enfraquecido pelo impacto negativo de suas políticas de ajuste, escândalos de corrupção e uma má avaliação majoritária da sua gestão de governo. Nos últimos meses, a oposição — peronista e não peronista — dificultou a vida do presidente no Congresso, impedindo a aprovação de projetos de lei e derrubando vetos presidenciais. A resposta do chefe de Estado foi endurecer o tom, e não cumprir decisões do Legislativo, atitude que só piorou a situação.
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Na última segunda-feira, um enviado do ministro da Economia, Luis “Toto” Caputo, foi ao Congresso discutir o projeto de Orçamento para 2026, que ainda não foi aprovado. Perguntado por que o governo não liberava fundos para universidades e hospitais pediátricos, como determinou o Parlamento ao anular vetos do presidente, o funcionário, segundo fontes que participaram do encontro, respondeu que “nem o Fundo Monetário Internacional (FMI) e nem os EUA nos pedem uma lei de orçamento”.
O recado foi claro: o governo não está disposto a cumprir normas legislativas, se considerar que elas ameaçam o equilíbrio fiscal. E se essa atitude tiver como consequência que o país não tenha uma lei de Orçamento, Milei está disposto a pagar o preço, já que essa não é uma demanda dos EUA, hoje sua principal base de sustentação política.
Com esse pano de fundo, surgem várias dúvidas: se não obtiver uma vitória nas urnas, o que fará Milei? Vai redobrar a aposta, ou seja, manter a tensão com a oposição e um ajuste que lhe custou a perda de apoio social? Ou, pelo contrário, entenderá a necessidade de construir um consenso político interno, para garantir governabilidade na segunda metade do mandato?
Partindo de projeções que não indicam que Milei conseguirá um triunfo contundente nas urnas — no melhor dos cenários, apontam pesquisas locais, conseguirá um empate com as forças peronistas —, a reação esperada por analistas como Carlos Fara, diretor da Fara e Associados, é que Milei pegue o telefone, ligue para governadores e convoque uma reunião para negociar consensos possíveis.
— Todos nos perguntamos a mesma coisa: a partir de segunda-feira, Milei fará o dever de casa? Basicamente, optará por negociar com a oposição, ordenará o mercado cambial e começará a acumular reservas no Banco Central [hoje negativas]? Se nada disso acontecer, a situação poderá se complicar — aponta Fara.
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Os primeiros sinais deverão surgir na próxima semana, mas Milei terá até o dia 10 de dezembro, quando o novo Parlamento assumir, para mostrar o que pretende fazer nos próximos dois anos. Serão, frisa Fara, 45 dias cruciais para a Argentina.
— O país precisa caminhar na direção de um presidencialismo de coalizão. Caso contrário, Milei corre o risco de ficar sem sustentabilidade política — explica o analista.
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O clima no país é adverso para o presidente. Indicadores de consumo e produção industrial estão em queda; empresas no interior da Argentina estão começando a fazer cortes; a pressão sobre o dólar se mantém, apesar dos anúncios de socorro financeiro vindos dos Estados Unidos; e as denúncias de corrupção contra funcionários do governo, incluindo a secretária-geral da Presidência, Karina Milei, irmã e braço direito do chefe de Estado, continuam sendo investigadas na Justiça — e viralizando nas redes sociais.
O primeiro movimento de Milei será a renovação de seu Gabinete. Na véspera da eleição, o agora ex-chanceler Gerardo Werthein apresentou sua renúncia. Seu sucessor será Pablo Quirno, que estava no comando da Secretaria de Finanças. A escolha não foi negociada com Macri nem com outros eventuais sócios políticos. Milei decidiu sozinho, ampliou os espaços de poder do ministro da Economia, Luis “Toto” Caputo e, também, segundo fontes do governo, do estrategista-estrela da Casa Rosada Santiago Caputo, que pretende se tornar ainda mais poderoso na segunda metade do governo.
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O presidente dá sinais aos EUA e aos mercados americanos, o que, na Argentina, não rende votos.
— As pesquisas mostram uma queda no apoio a Milei que parece ser irreversível. Há um ano, a maioria dos argentinos achava que estaria melhor no futuro, hoje a maioria acha que estará pior. Se Milei não reverter a queda das expectativas será complicado — diz Diego Reynoso, pesquisador da Universidade de San Andrés.
O analista traça vários cenários a partir de amanhã e não descarta o que muitos dizem em conversas informais, mas evitam afirmar publicamente: a possibilidade de que Milei não consiga terminar seu mandato.
— Dependerá da capacidade do presidente de construir coalizões — enfatiza Reynoso.
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Milei encerrou a campanha de seu partido na cidade de Rosário, na província de Santa Fé, uma das que poderia render uma vitória ao governo. A ideia original era fazer o ato de encerramento em Córdoba, um dos principais distritos eleitorais do país, onde Milei obteve uma vitória esmagadora em 2023. Mas a Casa Rosada preferiu um lugar que hoje é menos hostil ao presidente. O ato em Rosário reuniu mais de dez mil pessoas, segundo dados oficiais, e nele se viu um Milei muito parecido com o candidato de dois anos atrás. O presidente fez as mesmas promessas e disse que a escolha dos argentinos é entre liberdade e kirchnerismo.
Mas hoje a oposição ao presidente vai hoje muito além do kirchnerismo. Aliados de 2024 se tornaram fortes críticos em 2025, entre eles a bancada Encontro Federal, integrada por ex-membros do partido de Macri, que hoje fazem uma oposição firme ao governo. Um dos nomes desse grupo é o deputado Nicolás Massot, que é pessimista sobre a reação de Milei após o pleito.
— Nossa predisposição ao diálogo será sempre a mesma, mas Milei não pode continuar governando por decreto — aponta Massot.
Para o deputado — que dialoga com setores do governo, do peronismo e do restante da oposição — “se não houver uma reação positiva do governo, veremos a mesma coisa que vimos na segunda metade de governos anteriores: agonia política e mediocridade econômica”.
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No mundo peronista, a oposição mais dura a Milei, deputados como Santiago Cafiero, ex-chanceler do governo de Alberto Fernández, lamentam que “Milei esteja procurando sustentabilidade em Wall Street”.
— Acho que o presidente fará uma coalizão de baixa intensidade com setores da direita, e com isso poderá se sustentar institucionalmente. Mas socialmente é outra coisa — salienta Cafiero.
A partir deste domingo, será definido o futuro de Milei.

