Linhas de internet e telefônicas foram cortadas nesta quinta-feira na Faixa de Gaza, à medida que o Exército de Israel avança com a ofensiva em direção ao centro da Cidade de Gaza. Aviões e tanques israelenses voltaram a bombardear a principal área urbana do enclave, agravando a situação de uma população palestina que, após quase dois anos de guerra, é forçada a mais um deslocamento — o que tem provocado exaustão de ânimo e recursos, com uma barraca chegando a custar US$ 1 mil (R$ 5,4 mil no câmbio atual) para os deslocados.

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Moradores do enclave relataram disparos de artilharia e novos ataques aéreos, incluindo com uso de drones. As forças israelenses controlam os subúrbios a leste da Cidade de Gaza, e tanques estão em posição que apontam para um avanço sobre as zonas central e ocidental do perímetro urbano. O Ministério da Saúde de Gaza, parte da administração do grupo terrorista Hamas, divulgou que 79 pessoas morreram nas últimas 24 horas, incluindo nove enquanto buscavam ajuda humanitária. Israel contesta a veracidade das informações passadas pelo grupo palestino.

— Há fogo de artilharia, ataques aéreos, tiros de quadricópteros e drones. Os bombardeios nunca param — disse Aya Ahmed, de 32 anos, que está com outros 13 parentes na Cidade de Gaza. — O mundo não entende o que está acontecendo. Eles [Israel] querem que nos retiremos para o sul, mas onde vamos morar? Não há barracas, nem transporte, nem dinheiro.

O Exército israelense fez um ultimato à população da Cidade de Gaza — estimada em 1 milhão de pessoas pela ONU — para que abandonasse a cidade diante da iminente invasão terrestre, que o governo afirma ter por objetivo libertar os reféns capturados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023 e eliminar o principal reduto armado do grupo. Um corredor havia sido inicialmente delimitado em uma zona costeira, em direção ao sul, mas um segundo caminho foi aberto temporariamente ontem, por 48 horas, para agilizar a retirada.

Embora estimativas dos militares israelenses apontassem que mais de 350 mil pessoas tenham deixado a cidade nos últimos dias, famílias palestinas citadas pela imprensa que continua em solo afirmaram que não vão se submeter a um novo deslocamento. Outros afirmaram que o custo de uma viagem ao sul disparou.

Palestino leva pertencer em cima de carro, ao se deslocar rumo ao sul — Foto: Eyad Baba/AFP

Palestinos ouvidos pelo jornal israelense Haaretz afirmaram que uma viagem de caminhão da Cidade de Gaza até Deir al-Balah ou Khan Younis, a uma distância de 14 a 25 km, pode custar até US$ 2 mil (R$ 10,7 mil no câmbio atual) em dinheiro. Alguns aceitam receber transferências do exterior, o que aumenta o preço da viagem para US$ 3,9 mil (R$ 20,8 mil), descontadas as taxas de comissão.

Para quem não pode pagar, a opção que resta é percorrer o caminho a pé, levando apenas os bens que se pode carregar. O cenário atraiu críticas de lideranças e organizações internacionais.

“A incursão militar e as ordens de retirada no norte de Gaza estão provocando novas ondas de deslocamento, forçando famílias traumatizadas a se alojarem em uma área cada vez menor, inapropriada à dignidade humana”, escreveu o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, em uma publicação no X.

Preços de frete e de aluguel dispararam em Gaza em meio às ordens de retirada dadas por Israel — Foto: Eyad Baba/AFP
Preços de frete e de aluguel dispararam em Gaza em meio às ordens de retirada dadas por Israel — Foto: Eyad Baba/AFP

Mesmo para quem consegue se retirar da Cidade de Gaza, o cenário encontrado no sul do enclave não é menos impiedoso. Alvo de operações militares anteriores, muitas cidades estão em ruínas, de forma que encontrar abrigo é cada vez mais difícil — e caro. Palestinos ouvidos pelo Haaretz afirmaram que o preço de barracas, que para muitos é a única opção viável de moradia no cenário de constante mudança, inflacionaram ao longo do conflito.

— As despesas de uma única família que se muda da Cidade de Gaza para o centro ou para o sul ultrapassam US$ 3,5 mil (R$ 18,7 mil) — disse Jamal Qadir, de 34 anos, ouvido pelo jornal israelense. —Só o transporte custa cerca de US$ 1 mil, uma barraca ou abrigo improvisado outros US$ 1 mil. O aluguel de uma casa, se você conseguir encontrar uma, é de pelo menos US$ 1 mil. Mesmo se você se instalar em uma barraca, precisará pagar pelo terreno sob ela, cerca de US$ 500. E tudo tem que ser em dinheiro.

O Exército israelense afirmou que continua a atacar a “infraestrutura terrorista do Hamas” e também opera nas áreas de Rafah e Khan Younis. O bloqueio dos sinais de comunicação fez com que muitas pessoas na Cidade de Gaza temessem que uma nova escalada fosse iminente. Muitas pessoas clamam pela própria vida.

Famílias palestinas se retiram como podem de áreas de conflito — Foto: Eyad Baba/AFP
Famílias palestinas se retiram como podem de áreas de conflito — Foto: Eyad Baba/AFP

— Chega, queremos ser livres. Queremos viver, não queremos morrer — disse Mohammed al-Danf, morador da Cidade de Gaza ouvido pela AFP. — Quem disse que queremos morrer? Diga a Netanyahu: não queremos morrer!

A Comissão Europeia propôs ontem um pacote de sanções contra Israel para pressionar pelo fim da guerra, em um momento em que a continuidade da operação militar é alvo de críticas cada vez mais amplas. Uma comissão de investigadores da ONU disse ter identificado na campanha israelense em Gaza quatro dos cinco elementos para caracterizar a prática de genocídio, incluindo os deslocamentos forçados da população.

Israel rejeitou as conclusões e as classificou como “distorcidas e falsas”, mas a líder da investigação, Navi Pillay, disse em entrevista a AFP que esperava que os líderes israelenses um dia fossem presos, e que havia semelhanças, incluindo de métodos, entre o que se passa em Gaza e o que ocorreu durante o genocídio em Ruanda, em 1994. (Com AFP)

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