Na pior catástrofe climática do Rio Grande do Sul, mais de 2 milhões de pessoas em quase 500 municípios sofreram com chuvas intensas apenas entre o fim de abril e o início de maio. No conserto dos estragos, o ritmo é mais vagaroso. Um ano depois, algumas obras ainda não saíram do papel. A demora está ligada na maioria das vezes às diversas etapas necessárias para os serviços e à necessidade de novos estudos para se prevenir de uma situação nunca vivida antes. Mas também há obstáculos fora dos cronogramas, como a remoção de famílias que moram em cima de um dique em Porto Alegre.
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Foi apenas ontem que o governo gaúcho publicou o edital para contratar a atualização do projeto de engenharia do sistema de proteção contra as cheias em Eldorado do Sul, com custo previsto de R$ 531 milhões, a serem pagos com recursos federais. A concorrência será em 13 de maio, a empresa vencedora terá 180 dias para entregar o trabalho e a etapa seguinte serão os projetos de engenharia e elaboração dos estudos ambientais antes das obras. Apesar da demora de quase um ano, o projeto está adiante da construção de outros sistemas similares, nas bacias de rios como o Gravataí, Taquari-Antas, Caí, dos Sinos e do Arroio Feijó.
— Os projetos são complexos. Têm impacto ambiental. Os estudos já feitos seriam superados pela enchente que aconteceu — justificou o governador Eduardo Leite (PSDB) na quinta-feira, ao apresentar um balanço das ações do estado. — Encaminhamos os que já tínhamos para o comitê científico (criado para auxiliar no trabalho de recuperação das áreas destruídas), que alertou: “Esses projetos precisam ser atualizados”.
Até agora, o investimento estadual na reconstrução ultrapassa R$ 6,7 bilhões. O governo federal destinou R$ 111,6 bilhões para o Rio Grande do Sul e executou, por enquanto, mais de R$ 89 bilhões.
Em Porto Alegre, onde o prefeito Sebastião Mello (MDB) fez uma série de promessas em relação à infraestrutura do município em sua campanha de reeleição, o Dique do Sarandi, que leva o nome do bairro mais devastado pelas águas, teve sua primeira fase concluída em janeiro. Mas as obras foram paralisadas pela Justiça, devido à necessidade de remover 57 famílias que moram junto ou sobre a construção. Destas, 32 aceitaram deixar o local. Remoções também terão de ser feitas nos diques de Asa Branca e Vila Dique.
Outra obra necessária é o fechamento de comportas do sistema, para reduzir a possibilidade de infiltrações. O Departamento Municipal de Águas e Esgotos (Dmae) diz já ter fechado três comportas, mas ainda faltam serviços em quatro. Também são necessárias as substituições de outras três. O resultado dos editais dessas obras foram publicados na quarta-feira e na sexta-feira da semana passada. Somado, o investimento é de R$ 11,3 milhões.
— A comporta 14, que foi o principal fator de inundação, ainda está aberta. Ela foi destruída e levada metros adiante. Outras foram abalroadas. Muitas casas de bomba ainda não estão operando plenamente e funcionam com geradores — alerta o professor e engenheiro Fernando Dornelles, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, que costuma levar alunos em visitas ao sistema anticheias.
A prefeitura encomendou um estudo para avaliar os defeitos da estrutura e quais as mudanças são necessárias. Mas a análise só deve ficar pronta no próximo ano.
— Tudo o que está sendo feito agora era o que deveria ter sido feito 15, 20 anos atrás, de forma periódica — diz Dornelles. — O que o estudo vai apontar é a necessidade de obras que levarão até mais de 10 anos para serem concluídas.
Em duas estações de bombeamento, são construídas chaminés de equilíbrio, um sistema que impede o Guaíba de avançar por meio de poços. Iniciadas em agosto, devem estar prontos nas próximas semanas.
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Trechos de rodovias alagadas seguem danificados e com o trânsito prejudicado. Sete bloqueios totais do período das enchentes por queda de ponte ou erosão do asfalto estão mantidos, em municípios como Ivorá, Relvado, Dilermando Aguiar e Bento Gonçalves. Outras seis estradas ainda estão bloqueadas parcialmente, de acordo com o Comando Rodoviário da Brigada Militar. Mas o governo do estado diz que 94% das rodovias impactadas já foram desbloqueadas. Os trabalhos de remoção de barreiras, reparo de aterros, contenção de erosões e manutenção do pavimento consumiram mais de R$ 432 milhões.
O trecho da estrada RS-348 entre Dona Francisca e Agudo, destruído nas cheias, está no pacote de R$ 1,2 bilhão de serviços anunciado pelo governo gaúcho em janeiro. Mas a obra deve ficar pronta apenas no primeiro semestre de 2026.
Uma das principais iniciativas do governo federal, o Minha Casa Minha Vida – Reconstrução tem 10.601 unidades habitacionais entregues, contratadas ou estão em construção. O número, no entanto, não chega à metade das 24,8 mil unidades previstas. Foram destinados R$ 3,4 bilhões em créditos extraordinários para casas em áreas urbanas e rurais. O Ministério das Cidades informou que nos próximos dias lançará editais para a contratação de mais 4 mil unidades.
O governo gaúcho criou o programa A Casa é Sua – Calamidade, uma contrapartida estadual voltada também para resolver a falta de moradias. Inicialmente voltado a distribuir a casas temporárias, a iniciativa foi expandida para a construção de unidades permanentes. Segundo a Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária, estão previstas 2.235 unidades em 40 municípios. Mas até o momento, apenas 422 casas estão sendo erguidas em 11 cidades. A pasta já investiu R$ 58,7 milhões no programa.
— Os programas implementados dependem muito de que as vítimas busquem as melhores soluções, tarefa que exige um entendimento sobre financiamento e setor imobiliário que não é acessível a todos os públicos — recomenda acordo o professor de planejamento urbano Eber Marzulo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. — A primeira medida dos governos deveria ser localizar essas famílias necessitadas fora dos abrigos e ajudá-las no acesso aos programas.