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Enquanto Trump ameaça bombardear o Irã “de uma forma jamais vista”, ele também deixou claro que prefere uma saída diplomática. Essa declaração, feita ao lado do premier israelense, Benjamin Netanyahu, será bem-recebida no mundo árabe. Os países da região temem as consequências de uma guerra do país persa com os EUA e Israel, especialmente se o conflito em Gaza continuar.
Mas as demandas do líder americano — a suspensão do enriquecimento nuclear, a entrega das reservas de urânio enriquecido iranianas e a destruição das instalações existentes — certamente serão rejeitadas pelo líder supremo, aiatolá Ali Khamenei.
As conversas do fim de semana incluirão o chanceler iraniano, Abbas Araghchi, e o enviado especial de Trump para o Oriente Médio, Steve Witkoff. Os dois lados ainda não concordaram sobre o formato do diálogo, se ocorrerá de forma direta ou indireta, através de intermediários.
Araghchi disse que o esforço é “uma oportunidade e um teste” da vontade dos dois lados de negociarem de maneira séria sobre as atividades nucleares, que o Irã garante serem apenas para fins pacíficos, em troca de um alívio das sanções.
— Se a outra parte tiver a vontade necessária e suficiente, será possível chegar a um acordo. Afinal, a bola está com os Estados Unidos — disse Araghchi nesta terça-feira, citado pela agência oficial Irna, acrescentando que o “principal objetivo” de Teerã na mesa de negociações será a suspensão das sanções.
Mesmo se a guerra for evitada, a margem para ação nesse sentido é pequena. Diplomatas europeus lembram que, até o final de julho, precisarão decidir se vão impor novamente sanções da ONU contra o Irã, suspensas com o acordo de 2015, realizado entre o país e o então presidente dos EUA, Barack Obama, e abandonado por Trump em seu primeiro mandato, em 2018. A opção para retomá-las expira no dia 18 de outubro.
Teerã está sob severas sanções, especialmente as impostas por Trump em seu primeiro mandato, além de medidas ligadas ao programa de mísseis e abusos dos direitos humanos. O retorno das punições associadas às atividades nucleares causaria ainda mais problemas à já abalada economia local. Se as sanções forem retomadas, o Irã diz que deixará o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP).
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Tal decisão poderia levar Israel, com o apoio dos EUA, a lançar uma ofensiva para destruir as instalações nucleares iranianas — os dois países se comprometeram em evitar que os iranianos desenvolvam uma arma nuclear.
Nesta terça-feira, Netanyahu afirmou que a “opção militar” seria “inevitável” caso o diálogo entre Washington e Teerã não leve ao fim do programa nuclear
— Estamos de acordo que o Irã não terá armas nucleares — disse o premier. — Isso pode ser alcançado por um acordo, [mas] somente se o acordo for formulado como na Líbia [em 2003], onde alguém entra, explode as instalações e desmantela toda a maquinaria sob supervisão e execução americana. Outra opção, que isso não aconteça, é que eles simplesmente arrastem as negociações, e então a opção é militar.
Se Trump “quiser desmantelar o programa nuclear iraniano como ocorreu na Líbia, além de encerrar o programa de mísseis do Irã e as relações de Teerã com seus parceiros regionais, então a diplomacia provavelmente estará morta na chegada”, argumentou Trita Parsi, especialista em Irã no Quincy Institute.
Mas se a estratégia “estiver centrada em alcançar um acordo baseado em verificação que impeça uma bomba iraniana — sua única linha vermelha — então há razão para ser otimista sobre as próximas negociações”, completou.
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Os europeus querem decidir antes de a Rússia, aliada do Irã, assumir a presidência do Conselho de Segurança da ONU, em outubro. Nesta terça, os iranianos mantiveram conversas técnicas em Moscou com representantes russos e chineses, e o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que a Rússia “apoia a resolução da questão nuclear iraniana por meios políticos e diplomáticos.”
— Estou muito preocupada — disse Suzanne Maloney, especialista em Irã e diretora do programa de política externa da Brookings Institution. — Essa tática de negociação sob ameaça usada pelo governo Trump não substitui uma política séria sobre o Irã.”
Em paralelo à diplomacia, os EUA incrementaram seu já considerável poderio militar no Oriente Médio. Um segundo porta-aviões deve chegar à região em cerca de duas semanas, e imagens de satélite confirmaram a presença de ao menos seis bombardeiros B-2 na base militar na ilha de Diego Garcia, no Oceano Índico, além de caças F-35 em bases locais.
Nas últimas semanas, os americanos intensificaram os bombardeios contra os houthis — uma milícia apoiada pelo Irã — no Iêmen, usando drones e os B-2, capazes de usar bombas antibunker. Na sexta-feira, Trump divulgou o que seria um vídeo de um dos ataques, mas não foi possível confirmar as imagens de maneira independente.
O Irã não quer novas sanções, mas os europeus dizem que, sem um novo acordo, elas retornarão, algo que levou à ameaça iraniana de abandonar o TNP. Mesmo se Teerã concordar com a presença dos inspetores internacionais no país, a Agência Internacional de Energia Atômica disse que os problemas anteriores de transparência impedem que o mundo tenha pleno conhecimento sobre o programa nuclear local. E atividades atômicas sem supervisão, que potencialmente poderiam levar à produção de uma bomba, podem ser o estopim para um ataque.
— É difícil imaginar que Israel ficaria feliz com um programa nuclear tão avançado quanto o do Irã sem a supervisão da ONU — disse Ali Vaez, diretor do projeto do Irã para o International Crisis Group.
Uma guerra provavelmente causaria retaliações contra alvos americanos e israelenses no Oriente Médio, além de infraestruturas cruciais no Golfo, como as instalações petrolíferas da Arábia Saudita. Os bombardeios ainda poderiam acelerar o caminho para uma bomba nuclear iraniana.
Ainda não está claro se os europeus podem adiar o prazo para impor sanções, afirmam analistas. Mas essa opção depende de um progresso considerável para entrar em pauta.
Dada a desconfiança mútua — afinal, Trump rasgou o primeiro acordo — um novo texto precisaria “restringir, de maneira perpétua, os avanços nucleares iranianos em troca de garantias econômicas também perpétuas”, que convençam o aiatolá Khamenei, “que é profundamente ant-americano”, a aceitá-las, disse Sanam Vakil, diretora do Programa do Oriente Médio e Norte da África no centro de estudos britânico Chatham House. O Irã também exigirá garantias sobre o futuro do regime.
Após os esforços de Israel para destruir os aliados do Irã, incluindo o Hezbollah no Líbano e o Hamas em Gaza e na Cisjordânia ocupada, além dos bombardeios contra os sistemas de defesa iranianos, os iranianos passam a imagem de vulnerabilidade. Contudo, Vaez alerta contra o excesso de confiança dos israelenses.
— Sem dúvida, os iranianos estão enfraquecidos, mas não estão fracos e não estão desesperados —disse. — Para Khamenei, a única coisa mais perigosa do que sofrer com as sanções dos EUA é se render a elas.