“The Handmaid’s tale” estreou em 2017, meses depois da eleição de Donald Trump para a presidêrncia dos Estados Unidos. As ameaças a direitos das mulheres na vida real acabaram atribuindo à série um peso simbólico inesperado. As escravizadas de Gilead se tornaram emblemas nos movimentos anti-Trump, sobretudo na questão do aborto. Agora, a temporada final chegou à Paramount+. Serão dez episódios e há três disponíveis na plataforma. A adaptação do romance distópico de Margaret Atwood não provoca a mesma surpresa do início e revela sinais claros de desgaste. Mas a série ainda merece a atenção do leitor: é bem produzida e conta com um elenco de primeira.
Os inevitáveis paralelos com a vida real continuam saltando da tela. Os Estados Unidos da ficção tiveram grande parte de seu território ocupada por Gilead. Nos primeiros capítulos, June (Elisabeth Moss) cruza o país, em fuga. Quando ela chega ao seu destino, no Alasca, há uma bandeira hasteada na fronteira. Nela, em vez de 50 estrelas vemos só duas. É que sobraram dois estados ao governo americano: o Alasca e o Havaí. Nesses lugares há muitos campos de refugiados. Aquele mundo horrível, obscurantista e aterrador continua ambientando a ação.
Houve um intervalo de três anos entre a quinta temporada e esta e, de novo, o timing parece perfeito: Trump está de volta ao centro do debate político e o discurso feminista está sob ataque. O espelhamento entre a fantasia e a realidade sempre favoreceu a narrativa, atribuindo a ela uma camada de realismo. Agora, esse efeito se repete.
Nos dois primeiros episódios, não se veem as capas vermelhas. A ação principal se desenrola fora de Gilead. Aqui vale um parêntese: por coincidência, nas últimas semanas, manifestantes vestindo os figurinos de June voltaram a aparecer em várias cidades americanas, em manifestações de rua. De novo, isso alimenta o charme da série.
Serena Waterford (Yvonne Strahovski) ganhou espaço, e isso é muito bom. A atriz, excelente, tem grandes momentos e sua antagonista adquiriu novas nuances. Será que ela vai ser redimida? A dúvida impulsiona a narrativa. A trama, no geral, contudo, dá muitos sinais de exaustão. O maior sintoma disso é a jornada interminável de June. Ela começou escravizada em Gilead (leia aqui uma entrevista que fiz com Joseph Fiennes sobre a série), e depois conseguiu fugir e voltar para casa. Aí resolveu retornar, para salvar a filha mais velha, Hannah, que ficou para trás. Só que escapou novamente. Agora, se prepara para revisitar o calvário. Desta vez é a filha caçula que ficou no Alasca, uma indicação de que essa circunavegação repetitiva não vai terminar. A missão impossível dos roteiristas é encontrar as motivações da protagonista. Mesmo aquele público fiel, disposto a comprar os argumentos da personagem, balança.
“The Handmaid’s tale” se despede na hora certa — ainda com um último fôlego para a linha de chegada.

